Recuperação extrajudicial: efeitos da suspensão das ações e execuções na reestruturação
Data: 27/01/2025 18:31:05
Fonte: conjur.com.br
Opinião
A recuperação de uma empresa em crise é um processo complexo e fundamental tanto para a continuidade das operações do devedor quanto para a proteção dos direitos dos credores. No contexto jurídico brasileiro, uma das alternativas para enfrentar esse desafio é a recuperação extrajudicial, regulamentada pela Lei nº 11.101/2005, também conhecida como Lei de Recuperação de Empresas e Falências (LREF). Esse mecanismo, que se destaca pela agilidade e flexibilidade em comparação à recuperação judicial, oferece dois modelos distintos: o facultativo e o impositivo.
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A principal diferença entre os modelos está na forma de adesão ao plano de recuperação. Para ilustrar, imagine que você está organizando um grande evento e precisa escolher o cardápio. Na modalidade facultativa, você apresenta as opções aos convidados (credores), e eles têm a liberdade de escolher o que preferem. Todos os participantes aderem voluntariamente ao cardápio sugerido, sem resistência, e a festa segue de maneira harmoniosa, com todos satisfeitos, pois a escolha foi feita de forma colaborativa e consensual.
Já na modalidade impositiva, a situação é diferente: você, como organizador do evento, define o cardápio, mas estabelece uma condição: se a maioria dos convidados (pelo menos 60%) aprovar as opções, elas serão adotadas, mesmo que alguns convidados não estejam de acordo. Aqueles que não concordarem terão que aceitar a decisão tomada pela maioria, o que impõe a escolha ao grupo, desde que a adesão seja suficiente para garantir a aprovação.
Nesse ponto, essa distinção entre os modelos reflete, no contexto jurídico, a flexibilidade de negociação e a necessidade de estabelecer um equilíbrio entre as partes envolvidas, buscando sempre a viabilidade do plano de recuperação.
Efeitos da recuperação extrajudicial sobre ações e execuções
Um dos aspectos mais relevantes da recuperação extrajudicial é a suspensão das ações e execuções movidas contra o devedor, enquanto o processo está em andamento. Para os credores que aderem ao plano, isso significa que, por um período determinado, suas ações legais (inclusive pedidos de falência) ficam congeladas. Isso permite que as partes continuem negociando sem a pressão de ações judiciais constantes.
No entanto, o devedor também pode se ver diante de desafios: a suspensão das execuções não é automática para todos os credores. Esse ponto é essencial para o entendimento da recuperação extrajudicial, pois o “stay period” — ou período de suspensão — pode variar dependendo do que for acordado entre as partes. Esse prazo é crucial, pois se o devedor não conseguir a adesão de 60% dos créditos, as negociações podem ser frustradas, e as ações judiciais podem ser retomadas.
Outrossim, sobre o tema em questão, extrai-se a lição do primoroso desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, dr. Paulo Fernando Campos Salles de Toledo [1]:
[…] Por fim, no pedido de homologação expansiva de recuperação extrajudicial (art. 163 da LREF), com a Reforma eliminou-se a dúvida que antes se colocava e, às expressas, consagrou-se a aplicabilidade da regra de suspensão de execuções por créditos sujeitos ao plano, a proibição de atos de constrição em demandas cujos créditos estejam sujeitos ao plano e a suspensão dos respectivos prazos de prescrição (art. 6º, I a III e § 4º da LREF), aplicável, portanto, não só a credores signatários e aderentes, mas, indo além, a todos os credores abrangidos pelo plano (art. 163, § 8º da LREF) e, pois, mesmo àqueles que dissentiram. Esse efeito inicia-se automaticamente com a só distribuição da medida de homologação (automatic stay), mas fica sempre sujeita à ratificação pelo juiz que, se no despacho inicial ou mesmo posteriormente verificar que não houve a adesão percentual de créditos exigida (seja a inicial para a distribuição, seja a ulterior, para homologação) ou que há vício insanável a inviabilizar a medida, deverá sustá-lo (relief from the stay) [2].
Em todos os casos, as ações de conhecimento em que se demande quantias ilíquidas, mesmo que decorrente de obrigações sujeitas ao plano, não se suspendem (artigo 6º, § 1º da LREF).
Nesse sentido, cita-se também a jurisprudência sobre o tema:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE INDEFERIU A SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES EM FACE DAS DEVEDORAS. REFORMA. O PRAZO DE STAY PERIOD CORRE AUTOMATICAMENTE COM O PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL, EM RELAÇÃO ÀS ESPÉCIES DE CRÉDITO POR ELE ABRANGIDAS, DEVENDO SER RATIFICADO PELO JUIZ SE COMPROVADO O QUÓRUM INICIAL DE 1/3 DE TODOS OS CRÉDITOS. ART. 163, § 8º, DO NCPC. HIPÓTESE EM QUE NOTICIADA A ADESÃO DE MAIS DE 60% DOS CRÉDITOS SUJEITOS AO PLANO. TERMO INICIAL DO STAY PERIOD A PARTIR DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECURSO DO PRAZO QUE NÃO ENSEJA A PERDA DO OBJETO E INTERESSE RECURSAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
(TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2297665-32.2022.8.26.0000 São Paulo, Relator: Alexandre Lazzarini, Data de Julgamento: 05/07/2023, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 06/07/2023)AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. STAY PERIOD. APLICÁVEL aos credores abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial, ainda que não tenham a ele aderido. prazo do stay period. aplicação analógica do art. 6º, § 4º, da lei 11.101/05 para recuperações judiciais. 180 dias a partir da decisão que recebe o pedido de homologação do plano. DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Há na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que as ações e execuções movidas por credores abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial, ainda que não aderentes, devem ser suspensas, nos termos do art. 161, § 4º, da lei 11.101/05. Os credores que não aderiram à recuperação extrajudicial, mas que estarão obrigados a ela em razão da previsão do art. 163, § 1º, da lei 11.101/05, também terão suas ações individuais ajuizadas suspensas, sem que seja necessária a homologação do plano para tanto, uma vez que “o que depende da homologação são os efeitos do plano, o que não se confunde com a suspensão das ações que inclusive é um requisito essencial para que o plano possa ser analisado e homologado.”. E isto, aliás, se justifica na medida em que suspender as ações apenas com a homologação do plano não tem nenhum efeito prático, posto que, com a homologação do plano, opera-se a novação, que também terá efeitos sobre a ação ajuizada pelo credor. Doutrina e Precedentes. 2. Diante da ausência de previsão legal sobre o prazo durante o qual ficarão suspensas estas ações e execuções no caso de recuperação extrajudicial, há que se aplicar, analogicamente, o disposto para as recuperações judiciais (art. 6, § 4º, da lei 11.101/05), ou seja, o prazo máximo de 180 dias, ajustando-se o termo inicial para a data da decisão que recebeu o pedido de homologação do plano, sendo esta a data equivalente, nas recuperações extrajudiciais, àquela em que há a decisão deferindo o processamento da recuperação judicial. Por evidente, é importante destacar também que este prazo de suspensão de 180 dias só poderá perdurar até que haja a homologação do plano. (TJPR – 18ª C.Cível – 0007501-86.2020.8.16.0000 – Curitiba – Rel.: Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea – J. 17.06.2020)
(TJ-PR – AI: 00075018620208160000 PR 0007501-86.2020.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea, Data de Julgamento: 17/06/2020, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 17/06/2020)
Dito isto, em conclusão, o processo de recuperação extrajudicial no Brasil é uma ferramenta estratégica que propicia um ambiente de negociação flexível, permitindo às partes envolvidas buscar soluções adequadas à sua realidade financeira. A adesão voluntária, característica do modelo facultativo, proporciona benefícios evidentes, como maior cooperação entre devedor e credores. Por outro lado, o modelo impositivo assegura que, mesmo diante de resistências, um acordo coletivo possa ser implementado, garantindo a eficácia do plano.
Nessa esfera, a possibilidade de suspensão das ações e execuções confere ao devedor maior prazo e liberdade para negociar, ao passo que os credores têm suas ações legais suspensas durante o processo. Contudo, as particularidades do procedimento exigem uma análise cuidadosa, especialmente no que tange à definição dos créditos abrangidos e à necessidade de homologação judicial para que o plano de recuperação tenha efeitos legais.
Embora o mecanismo tenha mostrado sua eficácia no cenário empresarial, sua gestão exige precisão e transparência, com o objetivo de assegurar que todos os envolvidos obtenham resultados positivos. Dessa forma, a continuidade das atividades econômicas é preservada sem comprometer os direitos essenciais das partes, garantindo um equilíbrio entre os interesses de devedores e credores.
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[1] Comentários à Lei de Recuperação de Empresas [livro eletrônico] / Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, coordenador. – 1. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
[2] O poder concedido ao juiz para sustar a suspensão de ações e execuções de credores abrangidos pelo plano (LRE, art. 163, § 8º, 2ª parte) assemelha-se ao relief from the stay for cause do direito norte-americano (11 U.S.C. § 362 (d)(1)). Em breve nota de esclarecimento, o Relief from the stay for cause é um termo usado no contexto da Lei de Falências dos Estados Unidos, mais especificamente no âmbito do Capítulo 11 ou Capítulo 7, para se referir a uma permissão judicial para levantar a automática stay (suspensão automática). Essa suspensão automática é uma proteção que entra em vigor assim que uma petição de falência é apresentada, impedindo que os credores tomem ações contra o devedor ou sua propriedade sem autorização judicial.