Criticada dentro e fora do governo, Janja vira alvo da oposição, e popularidade desaba em pesquisas
Data: 24/02/2025 03:36:45
Fonte: oglobo.globo.com
Diante da queda de popularidade enfrentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste terceiro mandato, adversários do governo ampliaram o escrutínio sobre a atuação da primeira-dama Janja da Silva, que é vista até por interlocutores do Palácio do Planalto como uma das responsáveis por ampliar desgastes da atual gestão. Nas últimas semanas, Janja se tornou alvo de críticas dentro e fora do governo por episódios que vão desde a falta de transparência em sua agenda até a participação nas redes sociais. O caso mais recente de repercussão negativa foi o spoiler que, por descuido, ela deu em seu perfil da sigilosa águia da Portela ao visitar o barracão da escola de samba carioca. A publicação foi retirada do ar após a reprovação de internautas.
A consequência da elevação das cobranças já aparece refletida em pesquisas. Segundo levantamento da AtlasIntel/Bloomberg divulgado na semana passada, 58% dos brasileiros têm uma imagem negativa da primeira-dama, aumento expressivo em relação aos 40% registrados em outubro. Publicações nas redes também dão um termômetro da imagem arranhada. De acordo com análise da consultoria Bites, 53,4% das 704 mil menções a Janja desde 1º de janeiro foram negativas, enquanto 14,4% foram positivas e 32,2%, neutras. O mapeamento inclui o X, Instagram, Reddit, YouTube e Facebook.
A publicação recente mencionando a primeira-dama que obteve maior alcance partiu do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), no último dia 12, e acumulou 32 milhões de visualizações. Em vídeo nas redes sociais, em tom jocoso, o parlamentar simula estar trabalhando em um escritório para sustentar “duas pessoas” e, ao olhar o celular, a imagem de Lula e Janja é exibida.
A postagem faz eco a uma mobilização da oposição bolsonarista para questionar gastos institucionais da primeira-dama. Somente no último mês, parlamentares acionaram o Ministério Público Federal (MPF) em quatro ocasiões, questionando despesas gerais e temas mais específicos, como a recente viagem de Janja a um evento em Roma ao lado do ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social), além de apontarem falta de transparência na agenda.
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Há também uma ação movida pelo vereador de Curitiba Guilherme Kilter (Novo), alegando que a primeira-dama viola princípios da administração pública ao manter uma estrutura com 12 assessores no Palácio do Planalto e por já ter gastado R$ 1,2 milhão em viagens. Na terça-feira, conforme revelou o blog da colunista do GLOBO Malu Gaspar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o caso deve tramitar na Justiça Federal do Distrito Federal.
Segundo o cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV EASP, o desconforto governista tem como pano de fundo uma comparação com a postura mais discreta de Marisa Letícia, mulher do presidente em seus dois mandatos anteriores e que morreu em 2017.
— Janja assumiu um protagonismo desde quando ainda era namorada do presidente, quando ele estava preso. É natural que as críticas venham como um custo de assumir essa posição.
O desgaste da primeira-dama também reverbera entre os evangélicos, um dos pilares do bolsonarismo. Nos grupos de mensagens das igrejas monitorados pelo Coletivo Bereira, agência de fact-checking voltada ao meio protestante, cerca de 20% das críticas dirigidas a Lula mencionam Janja.
— As críticas a Janja são permanentes, mas se intensificaram com a queda na avaliação do governo. As mensagens usualmente exaltam Michelle como sucessora de Bolsonaro. Ela é tida como o modelo de mulher por ser evangélica e supostamente se comportar como deveria — diz a editora-geral, Magali Cunha.
Lideranças religiosas aproveitam para atacar agendas defendidas pela primeira-dama.
— A esposa dele (Lula) é muito militante, e isso pesa contra ele. O presidente governa para a esquerda — alega o bispo Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra.
As críticas a Janja não se restringem à oposição. Internamente, a postura tem gerado incômodo dentro do governo. Segundo relatos, Janja costuma participar ativamente das reuniões realizadas no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, e opina sobre questões estratégicas. Na semana passada, a jornalista Daniela Lima, da GloboNews, informou que, para evitar desgastes, Lula passou a restringir a presença da primeira-dama em certos encontros.
No sábado, durante a celebração dos 45 anos do PT, no Rio, Lula defendeu a primeira-dama das críticas e disse que ela tem liberdade para atuar politicamente. O presidente afirmou que, em sua casa, sempre houve espaço para diálogo político, tanto com Janja quanto com Dona Marisa.
— Janja agora é a bola da vez. Para me atingir, atacam a Janja. (…) Graças a Deus eu tenho uma mulher com quem converso sobre política, que não tem medo de falar com o marido.
Dois dias antes, em entrevista à Rádio Tupi, o presidente já tinha saído em defesa da mulher pelas mesmas razões: “Eu acho graça quando falam que a Janja dá palpite no meu governo, porque ela dá mesmo. Janja cuida de mim de uma forma muito especial”.
Com a chegada do marqueteiro Sidônio Palmeira à Secretaria de Comunicação (Secom), parte da equipe ligada a Janja foi demitida ou realocada para os gabinetes dela e do presidente. Desde então, a estratégia digital de Janja também mudou. Suas redes, antes focadas em viagens e agendas institucionais, passaram a priorizar conteúdos mais descontraídos sobre a rotina do casal presidencial. A transição, no entanto, não foi bem recebida por aliados em meio a crises do governo.
Quando o Brasil recebeu um grupo de deportados dos EUA, por exemplo, um vídeo de Lula colhendo hortaliças na Granja do Torto foi publicado no perfil de Janja. Como revelou a jornalista Ana Clara Costa, do podcast Foro de Teresina, da Revista Piauí, a situação pressionou o governo a dar uma resposta oficial. Com dias de atraso, um pronunciamento institucional da ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, foi postado nas redes sociais.
Macaé criticou a política americana que exigiu que os deportados usassem algemas e apontou possível violação dos direitos humanos.
Na semana seguinte, uma publicação de Janja caminhando com Lula pela manhã ao som de uma música recém-lançada pela ministra Margareth Menezes (Cultura) foi ironizada pela oposição, que lembrou da crise inflacionária dos alimentos.
A influência dentro do governo virou alvo mais uma vez da oposição. No retorno das atividades legislativas, o líder da oposição, Zucco (PL-RS), protocolou requerimentos de informação a cinco ministérios sobre o papel da mulher do presidente na gestão, apelidando a iniciativa de Pacote Anti-Janja.
— Janja virou sinônimo de gastança, luxo, poder, deslumbramento e muito sigilo. A oposição tem articulado esse esforço em busca de transparência — disse Zucco.
A influência de Janja ocorre desde o governo de transição, quando foi responsável por brecar a nomeação do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) para o Ministério do Turismo. Embora a indicação estivesse alinhada com o PSD, a primeira-dama interferiu na escolha por causa de um processo por violência doméstica, já arquivado, contra o parlamentar.
Janja é bem próxima dos ministros Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Alexandre Silveira (Minas e Energia). A primeira-dama frequenta as agendas de ambos, já tendo sido chamada de “madrinha do setor elétrico” por Silveira e conquistado a afeição de Dias por ter abraçado a causa da fome. Aliados minimizam o impacto da primeira-dama na queda da avaliação geral do governo.
— Se o governo recuperar os acertos, (Janja) não é determinante. Agora, quando você não está bem, tudo irrita — diz o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).
Somado às reclamações de interferência, o episódio em que Janja atacou Elon Musk, dono do X, durante o G20 Social, também gerou desconforto. Na ocasião, ela discursava sobre o combate à desinformação e a necessidade de regulamentação das plataformas digitais, quando disse “Eu não tenho medo de você, inclusive. Fuck you, Elon Musk”.