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Sede da COP30, Brasil busca recursos alternativos para mitigar crise do clima

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Data: 03/03/2025 04:40:18

Fonte: oglobo.globo.com

Sede da próxima conferência mundial sobre o clima, a COP30, que acontecerá em novembro deste ano em Belém, o Brasil tem a difícil tarefa de buscar recursos e, assim, aumentar o valor anual destinado ao financiamento de medidas para mitigar os efeitos do aquecimento global. O desafio é ampliar os US$ 300 bilhões anuais (R$ 1,77 trilhões) aprovados na COP29 em Baku, no Azerbaijão, para algo próximo a US$ 1,3 trilhão (R$ 7,67 trilhões).

Diante do baixo comprometimento dos países desenvolvidos — que, por terem uma dívida ambiental histórica, seriam os principais responsáveis pela liberação de recursos —, o Brasil corre contra o tempo para buscar dinheiro de outras fontes. As principais são os organismos multilaterais de crédito, os fundos climáticos e os bancos privados, segundo integrantes da área econômica do governo.

O principal desafio para o financiamento é reconhecido publicamente pelo presidente Lula: o líder dos Estados Unidos, Donald Trump. O americano retirou os EUA do Acordo de Paris, tratado internacional para reduzir a emissão de gases poluentes, e revogou o plano internacional de financiamento climático do país.

Para driblar essas resistências e evitar um fiasco na COP3, a estratégia do governo Lula para angariar recursos é utilizar todos os fóruns possíveis. O G20 é um exemplo. Na presidência do grupo formado pelas maiores economias do mundo, o Brasil colocou o tema em discussão e conseguiu emplacar, na declaração dos líderes que se reuniram em novembro no Rio, o compromisso de intensificar esforços para garantir a sustentabilidade ambiental e climática.

O Ministério da Fazenda e o Banco Central vêm dialogando com autoridades econômicas de todo o mundo, incluindo governos, bancos privados e instituições multilaterais de crédito. E, neste momento, há uma mobilização do Brasil para conseguir consenso no Brics para cobrar das nações desenvolvidas um maior comprometimento com medidas de mitigação dos efeitos do aquecimento global. O Brasil está na presidência temporária do grupo que reúne 11 nações em desenvolvimento, como China e Rússia.

Porém, o que existe hoje é uma gota no oceano. Os fundos climáticos, por exemplo, desembolsam de US$ 2 bilhões (R$ 11,8 bilhões) a US$ 3 bilhões (R$ 17,7 bilhões) por ano, quando nem os US$ 300 bilhões que saíram da COP29 estão certos.

No governo, a avaliação é de que Lula teria um ganho político importante caso consiga recursos para financiar países pobres ou em situação de vulnerabilidade, como as ilhas do Pacífico e nações africanas.

Tendo o desmatamento como principal fator de emissão de gases do efeito estufa, o Brasil, por si só, não precisaria da ajuda financeira, já que tem programas e fontes de recursos importantes, como o Fundo Amazônia, o Fundo Clima e o BNDES. Além disso, os compromissos assumidos pelo país não são condicionados à obtenção de novos recursos.

Mas, para o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino, a diplomacia brasileira terá dificuldades para alcançar a meta em meio a um cenário de protecionismo global e frente ao aumento de conflitos e tensões pelo mundo.

— Tem um fator conjuntural que é a ascensão de Trump e do nacionalismo, muito mais forte no momento atual. Isso faz com que os países não apenas adotem a retórica trumpista em alguma medida, mas também olhem mais para dentro do que para fora, reduzindo sua capacidade de investimento — afirma ao GLOBO.

A secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, que também é diretora-executiva de conferência de Belém, destaca que, em Baku, decidiu-se que Azerbaijão e Brasil, como anfitriões da COP29 e da COP30, devem apresentar sugestões para a mobilização de US$ 1,3 trilhão de fontes públicas e privadas destinadas a mitigação e transferência de tecnologia para países em desenvolvimento.

— Os países realizam conversas entre si e consultas com outras partes para chegar à COP30 com um roteiro robusto para mobilizar esse montante em financiamento climático — diz Toni.

Membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, André Guimarães chama de “justiça planetária” a compensação que deveria ser feita por nações desenvolvidas, que também teriam que apresentar compromissos mais ambiciosos. Segundo ele, bancos privados só participarão dos desembolsos se forem incentivados.

— As metas do Acordo de Paris estão em risco. Hoje, o jogo é de perde-perde.

Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, ressalta que, na COP29, os países ricos voltaram atrás por considerarem que não tinham obrigação de repassar dinheiro a outros parceiros internacionais. Ele afirma que, na prática, não houve um acordo concreto para garantir o financiamento.

— Isso é um problema de confiança. Você “despromete” algo que tinha prometido, desacredita aquilo que já tinha concordado, acordado e publicizado. Eles acordaram um valor jogado para cima.

Sergio Besserman, professor de economia das mudanças do clima na PUC, pondera que de nada adiantam recursos se o mundo continua investindo em combustíveis fósseis. Os gastos com subsídios diretos somam US$ 1 trilhão (R$ 5,9 trilhões) por ano e os indiretos, US$ 7 trilhões (R$ 41,3 trilhões).

— Com o dinheiro dos contribuintes do planeta, a economia atual distorce os preços em favor do aquecimento global de forma mais rápida e mais catastrófica. Que tal começar uma programação para, em três a cinco anos, eliminar todos os subsídios aos fósseis? — questiona.

Entre as instituições financeiras, o Banco Mundial informou que teve aproximadamente US$ 34 bilhões (R$ 200,6 bilhões) em investimentos ativos relacionados a setores ambientais, como florestas e paisagens, gestão da poluição, economia azul e biodiversidade no ano de 2024.

Já a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) disse que, em 2023 (último dado disponível), 21,2% do crédito para pessoa jurídica — o equivalente a R$ 408 bilhões — foram direcionados para setores da economia verde. O BNDES, por sua vez, afirma que tem apoiado os investimentos destinados a transição energética e ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. O banco citou como exemplo o Fundo Clima, que no ano passado aprovou cerca de R$ 10 bilhões (R$ 50,9 bilhões) em financiamentos.