Diretora da COP30 cobra participação de empresas no combate às mudanças climáticas: ‘É preciso trazer as Big Techs de IA para a solução’
Data: 22/04/2025 07:38:53
Fonte: oglobo.globo.com
O lixo que a gente produz diariamente é um grande problema para o clima. Quando decompostos ou queimados a céu aberto, diversos tipos de lixo liberam metano, um gás 25 vezes mais tóxico que o CO2 e um dos responsáveis pelo efeito estufa. A purificação desse vilão ambiental, por outro lado, gera o biometano, um combustível renovável cuja produção reduz a emissão do gás nocivo na atmosfera.
Enquanto o mundo tenta conter o aquecimento global, e cumprir o Acordo de Paris, o setor de energia segue como maior contribuidor de emissões de gases de efeito estufa do planeta. Em meio ao avanço global da inteligência artificial generativa, que exige um poder computacional colossal para processar informações acumuladas em bancos de dados, essa demanda por energia vem aumentando muito.
Por conta disso, a economista Ana Toni, diretora da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que vai acontecer em Belém, no Pará, em novembro, defende a inclusão das big techs nas negociações sobre como gerar mais energia para sustentar os supercomputadores da IA e, ao mesmo tempo, cortar a emissão de gases nocivos para a atmosfera.
O setor de energia é o que mais contribui para emissões de gases de efeito estufa no mundo. Como esse tema será tratado na COP30?
O tema “energia” não está pautado como item formal da UNFCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) na COP 30. Mas é, obviamente, um tema muito importante, está na agenda por causa do Balanço Global (acompanhamento das metas do Acordo de Paris), que aborda o fim de combustível fóssil, a necessidade de duplicar a eficiência energética e triplicar a energia renovável. Mais de 70% das emissões globais vêm do setor, então é um assunto tão importante que vai estar em todos os pavilhões, nas mesas de negociação, nos planos de mitigação.
A eliminação do consumo de energia de combustível fóssil é um objetivo que foi declarado na COP28. Como alcançar essa meta?
Essa transição não se faz abruptamente, você tem que aumentar as energias renováveis. O que a gente tem visto é que a energia renovável está andando muito bem em áreas como China, Europa e aqui no Brasil. Ao mesmo tempo, a gente vê a demanda crescendo. Então, em vez de ter um pé no acelerador das renováveis e o outro desacelerando na área de combustível fóssil, a gente vê ainda os pés em ambos os aceleradores. Com o avanço da IA, os computadores estão demandando mais energia, e as populações urbanas também. Na COP28, foram decididas coisas importantíssimas, agora, nesta COP30, a conferência da implementação, queremos debater o como a gente vai fazer isso.
Como chegar a uma solução diante dessa demanda crescente?
Só o objetivo de duplicar a eficiência energética, triplicando as fontes renováveis, já é fundamental. É preciso trazer as big techs de IA, que hoje em dia geram um problema na emissão de gases de efeito estufa, para o campo da solução também. Muitas, que estão na China, nos Estados Unidos, cogitam deslocar os contêineres com armazenamento de informação para serem processados em países como o Brasil, que tem o suficiente de energia renovável, e não poluiria. A gente não teve ainda um olhar muito específico para o tema de consumo de energia. Tem solução, tem tecnologia, mas tem que querer fazer.
Esse diálogo com as big techs pode ser dificultado pela postura do governo dos EUA, com Donald Trump, que decidiu sair do Acordo de Paris?
As big techs estão muito interessadas no mercado brasileiro, para trazer área de armazenamento, já tem muitas conversas com o governo. Não só empresas americanas, mas também as chinesas. O que os EUA fizeram, acho que até vai empurrar algumas empresas a outros mercados de energia mais renovável. Os gestores de fundos financeiros sabem que a mudança do clima é um risco muito alto. A gente viu os incêndios em Los Angeles e as enchentes no Rio Grande do Sul. Depois de uma tragédia climática, perde-se muito dinheiro, então acho que o combate às mudanças climáticas se tornou um caminho sem volta.
Mas quais obstáculos o governo Trump coloca?
Acho que duas coisas: eles estão diminuindo a velocidade da transição, e isso é péssimo, porque a gente não tem tempo nenhum a perder. E estão criando um caos na geopolítica global, o que traz muitas incertezas e não é bom para o clima. A mudança do clima vai muito além de um tema de meio ambiente, é um tema geopolítico, econômico e, acima de tudo, vai trazer segurança se a gente combater junto. A gente brinca que molécula não tem passaporte, então todo mundo vai ser afetado, e os Estados Unidos são um país extremamente vulnerável à mudança do clima.
O custo menor da energia renovável é um trunfo?
É uma grande vantagem, porque é muito mais barata e não tem as consequências danosas da energia fóssil para a atmosfera. Há novas frentes em expansão, como o uso de biometano, hidrogênio verde e SAF (combustível de aviação sustentável). O grande gargalo é a segurança energética. Por exemplo, a energia solar é maravilhosa, mas, se tiver um problema na energia da cidade à noite, não adianta. Então, você tem que ter baterias para armazenar energia gerada pelos painéis, é isso que vai fazer a grande diferença nessa área.
Como o Brasil pode liderar esse debate na COP30?
A energia elétrica brasileira, com mais de 90% de renováveis, já é o sonho de consumo de 99,9% dos países. Quando a gente olha para consumo de combustível, porém, o Brasil tem cerca de 47% de renovável. Para a gente chegar bem à COP, e para o Brasil ser um provedor de soluções climáticas para outros países, acho que a gente tem que escalar algumas soluções na área de biocombustível. Eu diria até que o Brasil possui uma abundância de fontes de energia renovável. Isso é maravilhoso, agora tem que focar e fazer com que as coisas aconteçam.
Nesse papel de liderança da energia renovável, o projeto para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, como deseja a Petrobras, não é uma contradição?
É um debate bastante complexo. Obviamente, aquela região é muito frágil, então o assunto está sendo avaliado pelo Ibama de uma maneira técnica. Mas o próprio presidente Lula falou que a gente precisa caminhar para menor dependência dos combustíveis fósseis, não é só uma questão de querer, é questão de planejamento. Estamos trabalhando no Plano Clima, o Ministério de Minas e Energia (MME) está trabalhando no Plano de Transição Energética, e é nisso que a gente precisa se engajar.
Nos últimos meses, comunidades indígenas e quilombolas se manifestaram e publicaram cartas cobrando maior participação nessa COP. Isso vai acontecer?
A gente acabou de criar o Círculo dos Povos (para inclusão dos povos tradicionais nas negociações, com liderança da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara). É uma determinação do presidente Lula a inclusão dos povos indígenas e quilombolas. O nosso grande poder é esse. O mundo inteiro, e nós em particular, tem muito o que aprender com eles. Acredito que é a primeira vez que os povos tradicionais estarão no centro do debate durante uma conferência do clima.