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Como resolver a praga do poliéster?

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Data: 21/09/2024 14:42:22

Fonte: revistaforum.com.br

Plástico já foi encontrado em seres humanos e animais, presente no leite materno, sangue, placenta, líquido amniótico, cordão umbilical, sêmen, pulmões e até no coração e no cérebro. Também está presente na água das nuvens, no ar, nos mares, rios, lagos e na comida.

O ambiente está tão saturado de plástico que se estima que cada pessoa pode estar ingerindo o equivalente a cinco gramas de plástico por semana — o mesmo que consumir um cartão de crédito semanalmente.

Um dos maiores contribuintes para essa poluição é o poliéster, amplamente utilizado pela indústria têxtil, que representa 60% das fibras produzidas globalmente. Desde o ano 2000, a produção desse material dobrou, contribuindo para o acúmulo de microplásticos no meio ambiente.

Reduzir o uso de poliéster na indústria têxtil é uma prioridade crescente devido aos impactos ambientais associados à produção e descarte desse material sintético. Diversas inovações têm sido desenvolvidas e pesquisadas para enfrentar esse desafio.

Substituir o poliéster por alternativas sustentáveis na indústria têxtil é uma iniciativa crucial para reduzir o impacto ambiental desse material sintético. No entanto, essa transição enfrenta diversos desafios, em especial a falta de vontade política para encarar esse problema.

Alternativas ao poliéster

O relatório “A New Textiles Economy: Redesigning Fashion’s Future“, da Fundação Ellen MacArthur, aborda diversas estratégias para mitigar o uso do poliéster para reduzir seu impacto ambiental.

  • Reciclagem Mecânica de Polímeros: A reciclagem mecânica de poliéster é uma solução promissora, principalmente quando as empresas controlam os materiais, garantindo a pureza necessária para a reciclagem repetida. Essa técnica é competitiva em termos de custo com o poliéster virgem, sendo uma oportunidade para reduzir a dependência de novos recursos.
  • Reciclagem Química de Polímeros: A reciclagem química é uma alternativa para fibras à base de plástico, como o poliéster. Soluções tecnológicas estão em desenvolvimento para reciclar misturas de materiais, como poliéster e algodão, resultando em produtos de qualidade equivalente ao poliéster virgem. No entanto, essa tecnologia ainda precisa de maior adoção e alinhamento no setor para atingir seu potencial.
  • Desenvolvimento de Novos Materiais: Outra abordagem é a inovação no desenvolvimento de materiais que possam substituir o poliéster em um sistema circular. Empresas estão explorando o uso de fibras artificiais e materiais à base de resíduos, como o Orange Fiber, que utiliza resíduos da produção de suco de laranja, e o AgraLoop, que transforma resíduos agrícolas em fibras. Essas alternativas ainda estão em fase de desenvolvimento, mas representam uma oportunidade para reduzir a dependência de fibras plásticas.

Essas estratégias a partir do conceito de economia circular têm o objetivo de incentivar a reciclagem e a inovação em novos materiais que possam ser reciclados de maneira eficiente e sustentável. Há diversos novos materiais sendo pesquisados. 

  • Poliésteres Bio-based – são derivados de fontes renováveis, como plantas, em vez de petróleo. Esses materiais buscam reduzir a dependência de recursos fósseis e diminuir a pegada de carbono. Há os Polímeros de Ácido Polilático (PLA), produzidos a partir de recursos renováveis como milho ou cana-de-açúcar que oferecem uma alternativa biodegradável ao poliéster tradicional. E também os Polímeros de Alcatrão de Bioetanol, que usa o bioetanol derivado de biomassa para sintetizar poliésteres alternativos.
  • Fibras Naturais Alternativas – a substituição do poliéster por fibras naturais como algodão orgânico, linho, cânhamo e bambu pode reduzir significativamente o impacto ambiental da indústria têxtil. As fibras de bambu processadas mecânica ou quimicamente, já que é uma fibra renovável com propriedades antibacterianas e biodegradáveis. Ou ainda o cânhamo e linho, que exigem menos recursos hídricos e pesticidas comparados ao algodão convencional.

Desafios para substituir o poliéster

Muitas das alternativas ao poliéster, como fibras bio-based ou recicladas, têm custos de produção superiores devido à tecnologia emergente e à escala de produção limitada. A implementação de novas tecnologias requer investimentos significativos em pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura, o que pode ser um impedimento para muitas empresas.

O poliéster é valorizado por sua durabilidade, resistência a rugas e facilidade de manutenção. As alternativas precisam corresponder ou superar essas propriedades para serem viáveis no mercado. Garantir que os novos materiais ofereçam conforto, respirabilidade e outras características essenciais para o vestuário é fundamental para a aceitação pelos consumidores.

As fábricas têxteis existentes estão otimizadas para a produção de poliéster. Adaptar essas instalações para produzir novos materiais pode ser tecnicamente desafiador e caro. Muitas tecnologias alternativas ainda estão em estágios de desenvolvimento e não possuem capacidade de produção em larga escala.

Os consumidores estão acostumados às propriedades do poliéster. Convencê-los a adotar novos materiais pode exigir esforços significativos em educação e marketing. A oferta limitada de produtos feitos com alternativas ao poliéster pode dificultar a mudança de preferência dos consumidores.

É essencial que as alternativas sejam verdadeiramente sustentáveis ao longo de todo o ciclo de vida, desde a produção até o descarte. Algumas alternativas podem exigir mais recursos ou ter impactos ambientais próprios que precisam ser mitigados.

As novas fibras precisam atender a rigorosos padrões de qualidade e segurança estabelecidos pelas indústrias têxteis e regulatórias. Obter certificações que garantam a sustentabilidade dos materiais pode ser um processo complexo e demorado.

Pequenas e médias empresas podem enfrentar dificuldades em obter financiamento para investir em novas tecnologias e processos. A incerteza sobre a aceitação do mercado e a rentabilidade das alternativas pode desencorajar investimentos.

Como dar escala a novas tecnologias têxteis

Para reduzir o impacto ambiental do poliéster na indústria têxtil, especialistas sugerem uma série de iniciativas focadas na adoção de alternativas sustentáveis e na colaboração entre diversos setores.

Entre as principais ações propostas estão o incentivo à pesquisa para melhorar a eficiência, reduzir custos e aprimorar as propriedades dos materiais que podem substituir o poliéster. Parcerias com universidades e instituições de pesquisa também são vistas como fundamentais para acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias.

Além disso, a colaboração entre empresas do setor têxtil e a troca de conhecimentos, recursos e tecnologias são estratégias recomendadas para ampliar o uso de materiais sustentáveis. Governos podem desempenhar um papel importante nesse processo, oferecendo incentivos financeiros como subsídios e créditos fiscais, além de criar políticas regulatórias que incentivem o uso de materiais recicláveis.

Outra abordagem essencial é a educação do consumidor. Campanhas de marketing e informativas sobre os benefícios das alternativas ao poliéster podem aumentar a conscientização e construir confiança com o público, sobretudo ao fornecer informações claras sobre a origem, produção e impacto ambiental dos novos materiais.

Para tornar esses materiais mais acessíveis, é necessário modernizar as fábricas, aumentar a produção e otimizar a cadeia de suprimentos, reduzindo assim os custos e tornando as alternativas competitivas em preço. Além disso, a reciclagem e reintegração de resíduos têxteis no processo produtivo são práticas que ajudam a reduzir a necessidade de novos materiais.

As empresas que liderarem essas mudanças podem se posicionar como referências em sustentabilidade, atraindo consumidores conscientes. Histórias de sucesso e impacto positivo da adoção de novas tecnologias também podem ser compartilhadas para engajar ainda mais os consumidores nesse movimento.

Poliéster na infestação de microplásticos

Durante o processo de lavagem, roupas feitas de poliéster liberam microfibras de plástico que são muito pequenas para serem capturadas pelos sistemas de tratamento de águas residuais. Essas microfibras acabam indo parar nos rios, lagos e mares, onde se acumulam ao longo do tempo. Um estudo estima que uma única lavagem pode liberar até 700 mil microfibras de poliéster.

O poliéster, por ser um material sintético, vindo do petróleo, é não biodegradável. Isso significa que as microfibras e microplásticos liberados pelo desgaste de roupas e tecidos de poliéster persistem no meio ambiente por centenas de anos, contribuindo para a poluição a longo prazo.

A liberação de microplásticos oriundos do poliéster afeta principalmente os ecossistemas aquáticos. Peixes e outros organismos marinhos acabam ingerindo essas partículas, que podem entrar na cadeia alimentar e, eventualmente, chegar até os seres humanos.

Mais moda circular

O Fashion Revolution, maior movimento de ativismo na moda do mundo, presente em cerca de 100 países, inclusive no Brasil, defende que é essencial reduzir a produção de roupas com base em fibras sintéticas e adotar alternativas como o poliéster reciclado.

No entanto, apenas uma pequena fração da moda rápida utiliza materiais reciclados, o uso predominante na produção é de plásticos virgens. Daí a necessidade de mais transparência das marcas sobre a composição de suas roupas e incentivo a políticas públicas para limitar o uso de plásticos virgens.

Um caminho é implementar modelos de negócios circulares, que promovam a reparação, reutilização e compartilhamento de roupas, além de uma maior conscientização dos consumidores sobre o impacto ambiental de suas escolhas.

O primeiro passo para que haja uma transformação verdadeira, em escala, está na vontade política dos governos mundo afora. Enquanto essa mudança estiver restrita à criação de novos negócios para obter lucro por empresas ou sobre os ombros do consumidor, o máximo que veremos será a ampliação de mais um nicho de mercado.

O planeta segue sendo plastificado com todos os seres vivos prontos para descarte.

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