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Honorários de sucumbência não podem suplantar benefício econômico do vencedor

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Data: 12/07/2024 08:00:52

Fonte: conjur.com.br

Paradoxo da Corte


Há exatos cinco anos, em 16 de julho de 2019, escrevi aqui nesta coluna, que a aplicação automática da condenação em honorários de sucumbência pode causar indesejada distorção financeira, a proporcionar ao advogado da parte vencedora uma situação de vantagem sobre o benefício propiciado ao seu próprio cliente.


Spacca

Spacca


O parágrafo 2º do artigo 85 dispõe que os honorários deverão ser fixados no percentual entre 10% e 20% da condenação, do proveito econômico ou, na impossibilidade de estimar-se o quantum debeatur, sobre o valor atualizado da causa. E isso tudo, independentemente da natureza da decisão, se de extinção do processo sem julgamento do mérito, de procedência ou de improcedência do pedido (parágrafo 6º). Na hipótese de perda superveniente de interesse de agir (perda de objeto), a parte que deu causa ao processo deverá também arcar com o pagamento dos honorários (parágrafo 10).


A exegese dessa importante questão foi afetada à 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, para julgar o Recurso Especial 1.746.072/PR, então interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que deu provimento a agravo de instrumento de uma empresa, reduzindo os honorários advocatícios com fundamento na equidade.


Lembro que a ministra Nancy Andrighi, relatora sorteada, com arrimo no parágrafo 8º do artigo 85, defendeu a majoração dos honorários do recorrente de R$ 5 mil para R$ 40 mil, ponderando ser possível a fixação dos honorários advocatícios fora do critério de 10% a 20% estabelecidos no parágrafo 2º. Sustentou a ministra que o conceito de “inestimável”, na redação do parágrafo 8º, abrange igualmente as causas de grande valor.


Não obstante, abrindo a divergência em voto-vista, acabou prevalecendo àquela época o voto do ministro Raul Araújo, ao sustentar “que o espírito que deve conduzir o intérprete no momento da fixação do quantum da verba é o da objetividade”, aduzindo que o vigente Código de Processo Civil estabeleceu “três importantes vetores interpretativos”, que tendem a conferir “maior segurança jurídica e objetividade” à matéria em discussão.


Consoante os termos do voto do relator designado, ministro Raul Araújo, a regra geral e obrigatória é a de que os honorários sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20% do valor da condenação, consoante os termos do parágrafo 2º do artigo 85. O percentual pode ainda incidir sobre o proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.


Com esse fundamento, a 2ª Seção rejeitou o recurso da empresa e deu provimento ao do Banco do Brasil, fixando os honorários sucumbenciais em 10% sobre o proveito econômico — diminuição do valor pretendido — obtido pela instituição financeira.


Pouco tempo depois, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar em regime de recursos repetitivos, os Recursos Especiais nºs  1.906.618/SP, 1.877.883/SP e 1.850.512/SP, fixou o Tema 1.076, consubstanciado nos seguintes enunciados:


“a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa”; e

“apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.se tratavam, todos eles, de ações de conhecimento e de procedimento comum que vieram a ser julgadas procedentes, concluindo-se pela impossibilidade de a sentença fixar os honorários por equidade quando houvesse valor atribuído à causa, como de fato havia naquelas hipóteses.”


Precedente vinculante


Esse é, desde então, o precedente vinculante que deve ser seguido pelos tribunais de nossos país.


Todavia, naquele referido artigo, procurei mostrar que a experiência forense revela inúmeros cenários nos quais a aplicação automática e cega da referida regra do artigo 85, parágrafo 2º, acarreta algumas situações paradoxais, que colocam o advogado numa posição melhor do que a alcançada pelo seu próprio cliente, ou ainda mais privilegiada do que a parte que obteve vitória parcial de sua pretensão.


É evidente que, como advogado militante, sempre defendi a fixação de remuneração condizente com o trabalho profissional daquele que presta serviço essencial à administração da justiça. Mas isso não significa, como é cediço, que o advogado obtenha, pelas circunstâncias da causa, um benefício financeiro maior do que aquele litigante que teve de ajuizar uma demanda e sagrou-se parcialmente vencedor.


É dizer, com Giuseppe Chiovenda: “O processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito [inclusive o advogado], tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir” (Dell’azione nascente dal contratto preliminare, Saggi di diritto processuale civile, 1, Roma, Foro Italiano, 1930, pág. 110).


Deixei então registrado que havia sido consultado em pelo menos duas ocasiões nas quais se constatava flagrante contrassenso ao ser aplicado, sem qualquer reflexão mais acurada, o supra aludido parágrafo 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil.


Cheguei inclusive a fornecer exemplos, dentre eles, a situação, que de fato ocorre com alguma frequência, na qual o banco X requer o cumprimento de sentença contra o devedor Y, escudando-se em memória de cálculo no montante aproximado de R$ 10 milhões.


O devedor oferece impugnação, baseando-se em adimplemento substancial da transação anteriormente celebrada com a entidade financeira, confessando dever apenas R$ 600 mil.


A impugnação é parcialmente acolhida, com a fixação de 20% de honorários advocatícios em prol dos patronos do devedor, incidentes sobre o proveito econômico atingido, ou seja, 20% sobre R$ 9,4 milhões, redundando numa condenação de R$ 1,9 milhão de verba honorária sucumbencial, muito superior ao verdadeiro benefício financeiro alcançado pelo banco credor.


Em casos como estes, certamente se denota manifesta assimetria entre a posição do cliente e a do advogado. Sob o prisma estritamente econômico, na hipótese aqui retratada, teria sido melhor deixar perecer o direito do que sofrer a condenação na verba honorária.


É preciso dizer, por outro lado, que a regra do parágrafo 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil é uma via de mão dupla: se de um lado visa assegurar remuneração condizente para o profissional contratado pela parte que se sagra vencedora, de outro lado, acaba por impingir ao advogado do autor uma responsabilidade profissional aterrorizante, que milita contra o livre exercício da própria advocacia, visto ser impossível, como é sabido, adivinhar o desfecho da controvérsia em termos de fixação de honorários sucumbenciais.


Entendia e continuo entendendo que estas deformações não podem passar ao largo do julgador. Em primeiro lugar, faz-se necessário investigar quem deu causa ao ajuizamento da demanda ou ao cumprimento da sentença. Em seguida, o juiz deve perquirir qual foi efetivamente a soma reconhecida como devida, com o resultado do processo, para então fixar a sucumbência proporcional (sempre proporcional) à vantagem material concedida pela decisão.


Pois bem, demorou um lustro — diria, antes tarde do que nunca — para que a 3ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial n. 1.824.564/RS, debruçando-se na análise de um caso exatamente análogo àquele acima exemplificado, reconhecesse, por maioria de votos, a injustiça na fixação de verba honorária incondizente com o benefício econômico da parte vencedora.


Sentença de primeiro grau da comarca de Porto Alegre acolheu a impugnação oferecida nos autos de cumprimento de sentença, reconhecendo como devido o valor de R$ 22.934,87, em detrimento do montante inicialmente exigido de R$ 1.194.741,95. Diante da sucumbência, a executada foi condenada ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios fixados em R$ 4 mil, com fundamento no parágrafo 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil.


Como esta decisão foi secundada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a entidade devedora — Petros — manejou recurso especial, lastreando-o na ofensa ao artigo 85, parágrafo 2º, do diploma processual, argumentando que não se admite, na situação concreta, fixação de honorários de sucumbência com base na equidade. Pretendia, pois, a majoração da verba honorária, sobre a diferença entre o valor exigido (R$ 1.194.741,95) e aquele reconhecido como devido (R$ 22.934,87) pela sentença que julgou a impugnação.


O ministro Moura Ribeiro, na posição de relator sorteado, entendeu que não se mostrava possível aplicar a regra geral definida no julgamento paradigma do Recurso Especial nº 1.906.618/SP (Tema 1.076), tendo em conta que a hipótese examinada não se encarta nos parâmetros de incidência do destacado precedente qualificado.


E, por esta razão, ao negar provimento ao recurso, afirmou ser descabida a fixação de honorários sucumbenciais, em virtude do acolhimento parcial da impugnação, tendo em conta que é impossível tornar o devedor em credor.


A ministra Nancy Andrighi, a seu turno, apresentou voto-vista, por fundamentação diversa, frisando que a hipótese fática em exame não é idêntica nem se assemelha às situações que foram examinadas nos recursos representativos da controvérsia do Tema 1.076/STJ, visto que no caso sob análise se discute o critério de fixação de honorários na hipótese de redução dos valores executados em fase de cumprimento de sentença, em razão do acolhimento, em parte, de impugnação ofertada pelo devedor.


Consignou, também, que os recursos representativos da controvérsia do Tema 1.076/STJ não trataram da hipótese fática do Tema 410/STJ, que é exatamente a mesma examinada no presente caso concreto.


E, assim, por diferente fundamentação, também negou provimento ao recurso especial, “para manter na íntegra o acórdão recorrido em virtude da distinção fática causada pela incidência à hipótese do Tema 410/STJ, não expressa ou implicitamente superado pelo Tema 1.076/STJ”.


Não obstante, procurando manter a coerência pretoriana intra muros, norteados por certo pelo disposto no importante artigo 926 do Código de Processo Civil (“Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”), os ministros Marco Aurélio Bellizze e Ricardo Villas Bôas Cueva — este na condição de relator designado — deram parcial provimento ao recurso especial, para aplicar o enunciado do Tema 1.076/STJ, mas alterando correta e estrategicamente a base de cálculo para a condenação em honorários sucumbenciais, ou seja, considerando o crédito executado reconhecido e não o proveito econômico.


A despeito de ressalvar a conclusão do voto do ministro relator Moura Ribeiro, que entendia que o caso concreto não se adequava aos parâmetros de incidência do precedente qualificado, isto é, ao Tema 1.076/STJ, o ministro Humberto Martins seguiu a divergência inaugurada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no sentido de manter o entendimento segundo o qual a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é admitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, sendo obrigatória, nestes casos, a incidência dos percentuais previstos nos parágrafos 2º e 3º do Código de Processo Civil.


Asseverou, ainda o ministro Humberto Martins, que o fundamento “da razoabilidade não deve configurar razão suficiente para superar a legislação processual, que tem como premissa a utilização da equidade nas condenações em honorários advocatícios sucumbenciais como exceção. As hipóteses de condenação com base na equidade, fora dos parâmetros legais estabelecidos no Código de Processo Civil, são excepcionais”.


Prevaleceu, portanto, o entendimento de que, na situação analisada, tem aplicação o Tema 1.076/STJ, “porque a alegação de irrazoabilidade ou falta de equidade não é suficiente para uso da técnica de distinção”.


Desse modo, para evitar indesejadas distorções não alvitradas pelo legislador, a maioria (3 a 2) proveu em parte o recurso especial, reconhecendo que o percentual da condenação em honorários advocatícios não deve recair sobre o proveito econômico, mas sim sobre o valor do crédito executado certificado pela sentença.


Este ponderado desfecho, a meu ver, bem demonstra o aprimoramento de mais um critério seguro para a distribuição da verba honorária de sucumbência, que contorna a interpretação literal da lei, a evitar condenações esdrúxulas, que inviabilizam o caminho da tutela jurisdicional, garantia constitucional assegurada a todo cidadão!