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Interesse de agir em ações de cobrança de seguro: o papel do pedido administrativo prévio

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Data: 11/10/2024 15:20:30

Fonte: conjur.com.br

Opinião


Relatos Selvagens/Reprodução

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O interesse de agir é um dos requisitos para buscar a satisfação de um direito pela via judicial — nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, é necessário ter interesse e legitimidade para postular em juízo. Na prática, caso não haja “interesse”, o juiz declarará extinta a ação sem resolução de mérito (artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil). Isto é dizer, sem interesse, sequer há análise do pedido: nas relações securitárias ajuizadas por segurados, por exemplo, o juiz sequer analisa os motivos pelos quais eventual indenização seria cabível.


O interesse de agir é “requisito processual extrínseco positivo: é fato que deve existir para que a instauração do processo se dê validamente” [1], cuja constatação se faz perante o caso concreto, a partir da situação narrada na instauração da demanda.


No âmbito das relações securitárias, uma das exigências para se comprovar o interesse de agir é a comunicação de sinistro, prévia ao ajuizamento da ação. Nos termos do artigo 771 do Código Civil, o segurado deve comunicar o sinistro ao segurador tão logo o saiba, sob pena de perder o direito à indenização. A legislação específica de cada seguro traz redação similar, como é o caso do seguro-garantia: a Circular Susep nº 662/2022 dispõe que, para início da regulação de sinistro, sua comunicação deve ser encaminhada à seguradora tão logo se saiba sobre a existência do inadimplemento.


A relação entre a prévia comunicação do sinistro à seguradora e o preenchimento do requisito de interesse de agir recai na ideia de “necessidade de jurisdição”: a procura do Poder Judiciário precisa ser vista como a última forma de se solucionar um conflito. Para as ações condenatórias (como as ações de cobrança de indenização), o autor deve demonstrar o “fato violador” de seu direito; no entanto, caso a seguradora sequer tenha conhecimento do sinistro, não há como comprovar que ela violou o direito à indenização (negando a prestação, por exemplo). Logo, sem a prévia comunicação acerca do sinistro, não houve lesão a direito e, portanto, não nasceu ainda o interesse do segurado em buscar o judiciário.


Entendimento dos tribunais superiores


A título exemplificativo, a 3ª Turma do Tribunal entendeu, no Recurso Especial nº 2.050.513/MT – de relatoria da ministra Nancy Andrighi –, que “o aviso de sinistro representa a formalização do pedido de pagamento da indenização securitária”, de forma que, antes do aviso, a seguradora não é obrigada a pagar por não ter ciência do evento.


Spacca

Spacca



O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, consolidou a Tese 350 (“Prévio requerimento administrativo como condição para acesso ao Judiciário”), ao tratar sobre a necessidade de prévio requerimento de benefícios previdenciários ao INSS – entendimento este que é aplicado, por analogia, em alguns julgados de matéria securitária.


Logo, caso a seguradora, citada ao processo, defenda a incorrência de prévia solicitação administrativa, caberá a extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual.


Exceção


No entanto, o Superior Tribunal de Justiça também defende que existe uma exceção ao entendimento: a ausência de requerimento administrativo prévio não obsta o processo de seguir nos casos em que, citada, a seguradora se oponha ao pedido de indenização – evidenciando a pretensão resistida. A partir de então, se caracteriza o interesse de agir. É o que o Tribunal defendeu no Recurso Especial nº 2.050.513/MT, bem como no Agravo Interno em Recurso Especial nº 2079068/SP (4ª Turma, ministro relator João Otávio de Noronha, julgado em 24/6/2024).


Outros tribunais aplicam a mesma exceção. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por exemplo, entendeu, em sede de Apelação julgada pela 10ª Câmara Cível, que a despeito da ausência de aviso de sinistro, o fato de a seguradora defender que o cancelamento da apólice era devido por ausência de pagamento foi o suficiente para caracterizar a pretensão resistida e, por consequência, o interesse de agir (autos nº 0000843-78.2021.8.16.0075).


Logo, no momento de propor ações indenizatórias, é necessário observar o preenchimento do requisito de interesse de agir, especialmente observando se a seguradora possui ciência do sinistro e se existe pretensão resistida quanto ao pagamento da indenização.





[1] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 22 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2020. p. 458.