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Língua sena: diferenças entre revisões – Wikipédia, a enciclopédia livre

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Data: 15/11/2024 06:38:57

Fonte: pt.wikipedia.org


A língua sena (também chamada xisena, chisena ou cisena) é a terceira língua banta de Moçambique, sendo a língua materna de cerca de 10% da população do país,[1] predominantemente falada nas províncias do baixo Zambeze, mas também no extremo sul do Maláui. O registo da presença de falantes de sena na região está documentado com a designação da Vila de Sena, a partir de 1561.




Trata-se de uma língua bantu da zona N — conjunto também designado como línguas niassa — da família nígero-congolesa, cujo contínuo dialetal se estende do litoral tanzaniano do lago Niassa, a norte, à cidade da Beira, a sul, e do delta do rio Zambeze, a leste, até à Zâmbia e Zimbabwe, a oeste.[2] A língua sena faz parte do grupo senga-sena, o mais meridional da zona N, que também inclui as línguas nsenga, phimbi, kunda, nhúngue e barwe. O sena desenvolveu-se sob influência das línguas dominantes dos dois grandes reinos vizinhos. A sul, o xona, do reino do Monomotapa (1430–1760), e a norte, o nyanja-chewa do reino Marave (1480–1889).[3] Até à segunda metade do século XX, todas as línguas senga-sena foram consideradas variedades dialetais da língua nyanja-chewa, também da zona N.[4]

Além do sena central (xisena ou sena-tonga, centro e norte de Sofala), esta língua tem os seguintes dialetos: sena-bangwe (sena do sul, Beira), sena-care (sena do norte, Mutarara e Morrumbala), sena-gombe (Caia, Chemba, Mutarara, Cheringoma, Dondo e Nhamatanda), sena-phodzo (Marromeu, Mopeia e Chinde) e sena-malawi (Nsanje e Chikwawa).[5][6]


Grupos linguísticos da zona N – Línguas Nyasa / Niassa (Gordon Jr., 2005 & Maho, 2009)



O sena é a língua materna de cerca de 60% da população na província de Sofala, 30% em Manica, 30% em Tete e 10% na Zambézia.[7] Até aos anos 1880, os falantes de sena centravam-se ao longo do rio Zambeze.[8] A sua deslocação para sul poderá dever-se ao estabelecimento da Beira (1887) e posterior abertura da ferrovia, entre a Beira e a Vila de Sena, construída pela britânica Trans Zambezi Railways (1922). Atualmente, o sena é a língua bantu demograficamente predominante da Beira, mas não a língua utilizada para comunicar com falantes de outras línguas bantu nem a língua bantu da liturgia católica.[9]

A primeira gramática da língua sena foi elaborada e impressa em Chupanga (Marromeu), em 1900, pelo missionário e filólogo jesuíta francês Jules Torrend, numa edição trilingue em português, sena e inglês.[10] Dois anos antes, a tipografia desta missão católica já tinha produzido um catecismo sena-português.[11] Em 1957, foi publicado na Beira o primeiro dicionário português-sena-português.[12] Desde 2004, a língua sena integra o ensino bilingue em escolas rurais da província de Sofala, durante os cinco primeiros anos do ensino primário, do Sistema Nacional de Educação.[13][14]


Demografia da língua sena em Moçambique (NELIMO, 1989)



Apresenta-se o alfabeto da escrita em sena (esquerda) e a respetiva transcrição no Alfabeto Fonético Internacional (AFI)(direita). A cada letra ou conjunto de letras corresponde apenas um som e vice-versa.[15][16][17]


Sena AFI Sena AFI
a a n n
b ɓ ng’ ŋ
bh b ny ɲ
c S o ɔ
d ɗ p p
dh d r ɾ
dj s s
e ɛ t t
f f th ʄ
g g u u
h h v v
i i w w
k k x ʃ
l l y j
m m z z



Sendo uma língua bantu, o sena é uma língua aglutinante cujas palavras são compostas por afixação à esquerda do radical. O sistema de afixação é regido pelas classes nominais, ou seja, todas palavras dos grupos nominais duma frase são compostas pelo prefixo de concordância do nome que é o constituinte principal do grupo nominal. Na língua sena tem as seguintes quinze classes nominais.[18]


Classe Prefixo Exemplo Equivalente em português
1 mu- munthu pessoa
2 a- anthu pessoas
3 mu- muti árvore
4 mi- miti árvores
5 di- diso olho
6 ma- maso olhos
7 ci- cinthu coisa
8 pi- pinthu coisas
9 n- nsapato sapato, sapatos
12 ka- kamwana criancinha (plural, piana, classe 8)
14 u- uwana infância
15 ku- kusimba agradecer
16 pa- panyumba em casa
17 ku- kudzulu para cima
18 m’ m’nyumba dentro de casa



A flexão verbal, cujo infinitivo pertence à classe nominal 15, é composta pelo prefixo de pessoa e número, seguido do infixo de tempo e modo, terminando com o radical à direita da palavra. A ordem dos constituintes da frase é SVO. Segue-se o exemplo com os verbos kulima (lavrar), kuyimba (cantar), kumwa (beber) e kulemba (escrever).[19]


Presente & Futuro -INA-
ndisalima eu lavro ndinalima eu lavrarei
usalima tu lavras unalima” tu lavrarás
asalima ele / ela lavra eles / elas lavram “analima ele / ela lavrará eles / elas lavrarão
tisalima nós lavramos “ife tinalima nós lavraremos
“imwe musalima vocês lavram “imwe munalima vocês lavrarão


Presente Habitual -MBA-
ndimbalima eu lavro
umbalima tu lavras
ambalima ele / ela lavra eles / elas lavram
timbalima nós lavramos
mumbalima vocês lavram


Pretérito Perfeito Próximo -A-
ndaimba eu cantei
waimba tu cantaste
aimba ele / ela cantou eles / elas cantaram
taimba nós cantámos
mwaimba vocês cantaram


Pretérito Perfeito Remoto’-DA-
ndidamwa eu bebi
udamwa tu bebeste
adamwa ele / ela bebeu eles / elas beberam
tidamwa nós bebemos
mudamwa vocês beberam


Pretérito Imperfeito’-KHA-
ndikhalemba eu escrevia
ukhalema tu escrevias
akhalema ele / ela escrevia eles / elas escreviam
tikhalemba nós escrevíamos
mukhalema vocês escreviam


Pretérito Mais-Que-Perfeito’-KADA-
ndikadalima eu tinha lavrado
ukadalima tu tinhas lavrado
akadalima ele / ela tinha lavrado eles / elas tinham lavrado
tikadalima nós tínhamos lavrado
mukadalima vocês tinham lavrado


Condicional’-NGA-
ndingalima eu lavraria
ungalima tu lavrarias
angalima ele / ela lavraria eles / elas lavrariam
tingalima nós lavraríamos
mungalima vocês lavrariam



Apresentam-se os radicais que são sempre utilizados com um prefixo da classe nominal.[20]


1 -bodzi
2 -wiri
3 -tatu
4 -nayi
5 -xanu
6 -tanthatu
7 -nomwe
8 -sere
9 -femba
10 khumi



basa trabalho mangwana amanhã mswo porta
bongwe macaco manja mãos mtombwe remédio
dzina nome masiku noite mulungu deus
fungula abrir matako nádegas mwana criança
kufunga fechar mbuzi cabra njinga bicicleta
kumwa beber mkazi mulher nyama carne
kupisa ferver mphalapala antílope thika hiena
macebesi manhã mpunga arroz ufa farinha
madzi água msolo cabeça xamwali amigo



Cithakano m’cisena[21]

Pyacitika siku ibodzi, ndzizi wa njala, baba wa panyumba, akakhala na nsambo wa kukwata uci ncitomba mbafikira pakhukhu. Ndzizi onsene akava njala, akapanga anace kuti ndirikwenda kasuta dotha pakhukhu. Na tenepo, angafika akakwata ntete mbanfeka pansi padabisee uci, mbakakwewa nawo uci ule, na mulomo, ninga asadyadi dotha. Anace akapyona pyonsene pikacita babao.

Tradução

Estória em língua sena

Era uma vez, na época da fome, um pai de família que tinha o mau hábito de enterrar numa lixeira, às escondidas, uma pequena bilha de barro cheia de mel. Sempre que tinha fome, dizia aos seus filhos que ia à lixeira chupar cinza. Então, quando lá chegava, espetava a mangueira que tinha levado consigo, no sítio onde tinha escondido o mel e, com ela, puxava-o como se, realmente, estivesse a comer cinza. Os filhos viam tudo isto e quando a mulher descobriu, separou-se do marido.


Referências


  1. Cossa, L.E. (2007). Línguas Nacionais no Sistema de Ensino para o Desenvolvimento da Educação em Moçambique. Citação de dados do Instituto Nacional de Estatística de Moçambique (Maputo, 1998). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 64-65 
  2. Maho, J.F. (org) (2009). New Updated Guthrie List Online. A Referential Classification of Bantu.
  3. Atlas de Moçambique. Maputo: Editora Nacional de Moçambique. 2009. p. 12. ISBN 978-0-797828-21-6 
  4. Kishindo, P.J. (2007). Parlons Cisena. Langue et culture du Mozambique. Paris: L’Harmattan. p. 30 
  5. Kishindo, P.J. (2007). Parlons Cisena. Langue et culture du Mozambique. Paris: L’Harmattan. p. 30-31. ISBN 978-2-296-04478-4 
  6. Relatório do I Seminário sobre a Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane. 1989. p. 64 
  7. Cossa, L.E. (2007). Línguas Nacionais no Sistema de Ensino para o Desenvolvimento da Educação em Moçambique. Citação de dados do Instituto Nacional de Estatística (Maputo, 1998). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 65 
  8. Atlas de Moçambique. Maputo: Editora Nacional de Moçambique. 2009. p. 13 
  9. Gordon Jr, R.G. (2005). Ethnologue. Languages of the World. Dallas, TX: SIL International. p. 149. ISBN 1-55671-159-X 
  10. Torrend, Jules (1900). Grammatica do Chisena. A Grammar of the language of the Lower Zambezi. Chipanga / Chupanga: Typographia da Missão de Chipanga 
  11. Pedroso, F. (1898). Missão de Chipanga. In Portugal em Africa (revista scientifica), vol. 5. Lisboa: Typ. Companhia Nacional Editora. p. 403-407 
  12. Alves, A. (1957). Dicionário Português-Chisena e Chisena Português. Beira: Tipografia da Escola de Artes e Ofícios 
  13. Patel, S.A. (2006). Olhares sobre a Educação Bilingue e seus Professores em uma região de Moçambique. Campinas: Unicamp. p. 56Unicamp&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Abook” class=”Z3988″> 
  14. Cossa, L.E. (2007). Línguas Nacionais no Sistema de Ensino para o Desenvolvimento da Educação em Moçambique. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 71-76 
  15. Kishindo, P.J. (2007). Parlons Cisena. Langue et culture du Mozambique. Paris: L’Harmattan. p. 42-46 
  16. NELIMO (1989). Relatório do I Seminário sobre a Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane. p. 64-68 
  17. Guia do Leitor da Língua Cisena. Nampula: SIL Moçambique. 2010 
  18. Kishindo, P.J.; Lipenga, A.L. (2007). Parlons Cisena. Langue et culture du Mozambique. Paris: L’Harmattan. p. 48-59 
  19. Kishindo, P.J.; Lipenga, A.L (2007). Parlons Cisena. Langue et culture du Mozambique. Paris: L’Harmattan. p. 69-72 
  20. Kishindo, P.J.; Lipenga, A.L. (2007). Parlons Cisena. Langue et culture du Mozambique. Paris: L’Harmattan. p. 27 
  21. NELIMO (1989). Relatório do I Seminário sobre a Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane. p. 69 



Cossa, L.E. (2007). Línguas Nacionais no Sistema de Ensino para o Desenvolvimento da Educação em Moçambique. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/10832/000601940.pdf

Gordon Jr., R.G. (ed) (2005). Ethnologue. Languages of the World, 15th ed. Dallas. SIL Interntional. https://www.ethnologue.com/country/MZ

INDE (2009). Atlas de Moçambique. Maputo: Editora Nacional de Moçambique.

Kishindo, P.J. & Lipenga A.L.(2007). Parlons Cisena. Langue et culturedu Mozambique. Paris: L’Harmattan.

LIDEMO (2008). Picacitikana Juwana. Bukhu ya Nyakupfundza (A História da Joana. Livro do Aluno). Beira: Prodelise.

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LIDEMO (2010). Introdução à Ortografia de Cisena. Nampula: SIL Moçambique.

http://lidemo.net/2010/docs/seh_v000334.pdf

Maho, J.F. (org)(2009). New Updated Guthrie List Online. A Referential Classification of Bantu.

https://web.archive.org/web/20130607210512/http://goto.glocalnet.net/mahopapers/nuglonline.pdf

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Patel, S.A. (2006). Olhares sobre a Educação Bilingue e seus Professores em uma região de Moçambique. Campinas: Unicamp. unicamp.br/document/?code=vtls000391329″>http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000391329

Pedroso, F. (1898). Missão de Chipanga. In Portugal em Africa (revista scientifica), vol. 5. Lisboa: Typ. Companhia Nacional Editora. [pp.403-407] https://books.google.pt/books?id=y-czAQAAMAAJ

Torrend, J. (1900). Grammatica do Chisena. A Grammar of the language of the Lower Zambezi. Chipanga: Typographia da Missão de Chipanga. https://archive.org/stream/grammaticadochis00torruoft#page/6/mode/2up







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