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Déficit fiscal zero só depende do Congresso, diz Randolfe – Congresso em Foco

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Data: 18/11/2024 19:31:08

Fonte: congressoemfoco.uol.com.br

O passado e o futuro convivem harmoniosamente na ampla antessala do gabinete do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) no nono andar da torre do Senado. Uma das paredes é preenchida por três grandes retratos oficiais do presidente Lula, cada um referente a um mandato. Outra serve de estante para comendas e troféus a ele distinguidos – entre os quais, várias unidades do Prêmio Congresso em Foco. Um terceiro canto abriga uma delicada peça de Santo Antônio, presente do ex-senador gaúcho Pedro Simon, coordenador do movimento Diretas Já.

Do alto de seu espaçoso gabinete, Randolfe se projeta como líder do governo Lula no Congresso depois de ter passado os quatro anos anteriores na liderança da oposição ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Papel que o obriga agora a tratar como aliados antigos desafetos, recentemente incorporados à base governista. “O fracasso deste governo é a reascensão do fascismo no Brasil”, avalia o senador, com um olho no passado e outro no futuro, nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.

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Para ele, cabe ao Congresso colaborar para que o país alcance a meta de zerar o seu déficit fiscal em 2024. A aposta do governo para não prejudicar os investimentos públicos, reconhece o senador, passa pela elevação da arrecadação em mais de R$ 100 bilhões. Esse é o valor que o Executivo espera arrecadar com a aprovação de projetos como o que tributa as offshores e os fundos dos chamados super-ricos e as apostas esportivas eletrônicas (Bets), a MP das Subvenções e a mudança no cálculo do IPCA, propostas em votação no Congresso.

“O Congresso aprovando todas essas medidas, passa a ser exequível a manutenção do déficit zero. Não é um horizonte impossível, é um horizonte exequível e realizável. E a orientação que estamos trabalhando é a manutenção do que está no texto da LDO, e esperamos a contribuição do Parlamento, do Congresso, para nos ajudar a alcançar o déficit zero. Repito: hoje a manutenção do déficit zero depende mais da aprovação de todas essas medidas do que do Executivo”, afirma.

Veja o trecho da entrevista em que Randolfe fala do assunto:

O governo assegurou oficialmente nessa quinta-feira (16) que não vai propor mudança na meta fiscal por meio de emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A decisão foi considerada uma vitória política do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já que o próprio presidente Lula admitiu publicamente não ver problema em deixar uma margem de déficit como forma de não atrapalhar os investimentos públicos.

Na antessala do gabinete de Randolfe, os retratos oficiais de Lula como presidente em seus três governos. Foto: Edson Sardinha/Congresso em Foco

A próxima semana é considerada crucial para a agenda econômica do governo no Congresso, com a análise de vetos presidenciais e de alguns dos projetos citados por Randolfe Rodrigues. Para o senador, a revisão da meta só voltará a ser objeto de discussão se a Câmara e o Senado não cumprirem sua parte no acordo.

“Se o Parlamento não aprova o PL dos Fundos Exclusivos e dos Fundos Offshores, se o Parlamento não aprova o PL das Bets, se não se aprova a margem prevista na LDO no cálculo do IPCA, se o Parlamento rejeita ou atrasa ou não garante a instalação da MP das Subvenções ou a aprovação do PL das Subvenções antes de 31 de dezembro para cumprir o princípio da noventena, aí sim [o déficit não será zerado]”, ressalta.

Pior das ditaduras

Professor de Direito e historiador, Randolfe Rodrigues diz compreender a demora do presidente Lula para indicar o novo integrante do Supremo Tribunal Federal e o novo procurador-geral da República. Há expectativa de que os escolhidos sejam anunciados na próxima semana. “O Ruy Barbosa e vários outros sempre diziam que a pior das ditaduras é sempre a ditadura dos juízes, quando os juízes passam a fazer parte da política. A mesma coisa serve para o Ministério Público”, observa.

O senador adianta que é contrário a qualquer iniciativa no Congresso que tenha como objetivo retirar poderes do Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, algumas das discussões em andamento no Senado sobre o assunto são meritórias, mas não deveriam ser tratadas neste momento, enquanto o Judiciário ainda está sob ataque da extrema-direita por ter sido fiador da democracia nos últimos anos.

Para Randolfe, as ameaças à democracia ainda não foram estancadas, em que pese Jair Bolsonaro ter sido derrotado nas urnas e ter se tornado inelegível. “O processo de confronto com o fascismo é um processo social-histórico. Não se encerra em uma eleição, não se encerra num momento, se encerra ao fim de um ciclo histórico. Nós ainda temos um ciclo histórico para concluir”, diz o senador.

Veja o trecho em que Randolfe fala sobre o assunto:

Leia a íntegra da entrevista exclusiva de Randolfe Rodrigues ao Congresso em Foco:

Congresso em Foco – Senador, estamos chegando ao final do primeiro ano do governo Lula. Quais foram os principais desafios que o governo teve que superar aqui no Congresso, e o que muda para o próximo ano? Quais são os principais desafios no ano que vem, nessa relação Executivo-Legislativo? 

Bom, o primeiro deles foi o fato de que o Congresso eleito foi de um sinal diferente do Executivo eleito. O presidente Lula ganhou a eleição numa conjuntura de organizar um governo de frente ampla e com uma orientação política, por sua trajetória, de centro-esquerda e de retomar a obra da reconstrução nacional. O Congresso eleito é um Congresso de viés hegemonicamente mais conservador, e isso amplificou um pouco mais a responsabilidade de como tocar as negociações entre o Parlamento e o Executivo.

É uma outra circunstância. O governo anterior, na prática, renunciava a governar. E com isso fazia uma relação de captura do Congresso através da renúncia de conduzir o orçamento público. Esse foi um outro desafio, que nós ainda estamos no curso, estamos tentando reorganizar: o orçamento público ser cuidado pelo Executivo, que é a responsabilidade. Nós estamos em um regime presidencialista – embora presidencialismo de coalizão, embora com responsabilidades do Congresso. Mas é um regime presidencialista. Então eu acho que essas foram as duas principais dificuldades. Eu incluiria mais uma: a obra da reconstrução nacional não seria possível sem a participação do Congresso, então nós tivemos que aprofundar cada vez mais o diálogo com os presidentes das Casas, com as lideranças do Congresso, para o Congresso ser partícipe. 

E tem dado certo?

Imagem de Santo Antônio na antessala de Randolfe, presente do ex-senador José Simon. Foto: Edson Sardinha/Congresso em Foco

Acho que nós, até agora, novembro, temos sido exitosos. Foi aprovada uma reforma tributária que era esperada há pelo menos 38 anos. Em uma análise mais restrita, é a primeira reforma tributária que é aprovada no âmbito da democracia. Os dois sistemas tributários que nós tivemos no Brasil, o primeiro foi da ditadura Vargas em 38, e o segundo foi de 65, no começo da ditadura [militar]. Esse foi construído aqui no âmbito do regime democrático. E, em 35 anos, passou por diferentes governos e não havia sido aprovado. E tivemos que enfrentar na reta final a sabotagem bolsonarista organizada pelo próprio ex-presidente da República para tentar impedir a aprovação. O que não teve sucesso, e acho que uma das grandes vitórias do ano é essa. Entregamos ao país um novo arcabouço fiscal, deixando claro que este governo tem responsabilidade com os gastos públicos. Entregamos ao país a reconstrução de todas as políticas sociais. Pelo menos 60 políticas públicas haviam sido destruídas, como o Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e tantos outros foram entregues de novo à sociedade brasileira.

Ainda faltam algumas coisas. Falta terminar de colocar de pé o arcabouço fiscal, e para isso é preciso a aprovação das medidas de receita que o governo propõe. E falta também aprovar a LDO e a lei orçamentária. Mas eu acho que o balanço até agora é de muita vitória.

O senhor falou em Congresso capturado. Como desfazer isso e manter o equilíbrio entre os Poderes para o próximo ano? O que deve mudar na relação do governo com o Congresso?

Acho que não tem que mudar, é exercer diálogo. Chamar os partidos para participar do governo e serem responsáveis na administração. Reitero, este não é um governo de esquerda, é um governo de frente ampla, é um governo de centro-esquerda, com compromisso com todos os democratas. É um compromisso também do Congresso, das lideranças do Congresso que são democratas, que este governo dê certo, porque o fracasso deste governo é a reascensão do fascismo no Brasil. A ameaça, o risco que a nossa democracia sofreu no último período não foi algo simples.

Hoje nós sabemos por todas as cabais provas que estivemos por um triz para a nossa democracia ser rompida. Durante quatro anos do governo passado a democracia foi diariamente atacada, vilipendiada, ofendida. No último momento eles tentaram claramente um golpe de Estado, não reconheceram o resultado das eleições, incentivaram manifestações golpistas na frente dos quartéis, espalharam o terror aqui em Brasília em 12 de dezembro, na diplomação do presidente e tentaram atear uma bomba no Aeroporto de Brasília na véspera de Natal do ano passado – é bom que isso nunca se esqueça, para que não mais aconteça – e no último instante, aí em dezembro, tentaram um golpe de Estado com a participação das Forças Armadas, que somente não se concretizou por conta da lealdade da maioria das Forças Armadas à Constituição e da fortaleza da nossa democracia e do compromisso de muitos democratas que desde aquele primeiro momento estiveram reconhecendo o resultado das eleições. E não conseguindo tudo isso, tentaram um levante, um motim, no 8 de janeiro contra o resultado das eleições. Todas essas narrativas fracassaram. Mas a nossa democracia esteve por um triz.

Então nós recebemos o país com a institucionalidade democrática destruída. Com os conselhos de participação todos desativados. Com a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário envenenada. Com o Supremo Tribunal Federal, a Suprema Corte, sendo diariamente atacada. E aqui abro um parêntese: há de se reconhecer, no último período, o papel heroico que a Suprema Corte veio a cumprir, de resistência aos ataques à democracia, dos ataques do fascismo. E a relação com o Legislativo foi envenenada, foi deturpada, se tentou no governo passado fazer a cooptação do Legislativo através do orçamento. É tudo isso que nós tivemos que reconstruir. O presidente disse para mim, inclusive, um pouco antes de tomar posse, que a gente tinha que colocar tudo de volta no lugar. E eu acho que esse é o papel que nós estamos cumprindo nesse período. E com o Legislativo, eu tendo a dizer que foi exitosa, porque 70% das medidas do governo foram apoiadas e aprovadas aqui pelo Parlamento. É natural que tenha um atrito ou outro, mas o encaminhamento e a relação com o Parlamento, acho que saem com saldo positivo no final deste ano.

A reforma tributária foi aprovada por uma margem estreita no Senado. Até que ponto dá para afirmar que o governo tem uma base sólida, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados?

Se você ver, em retrospectiva do ano, nós nunca tivemos aqui no Senado mais do que 54 votos. O presidente Rodrigo Pacheco, nosso candidato a presidente do Senado com apoio do governo, teve 49 votos. A maior votação que nós tivemos aqui foi a votação do arcabouço fiscal, e foi com 54 votos. E a votação da reforma tributária foi com 53. Então, desde o início ficou patente que é este o número que nós temos aqui no Senado. Mão muda muito. Então nós temos que trabalhar com este número.

Eu acho que nosso desafio maior no curso do ano não foi nem tanto o Senado, foi na Câmara. Porque na Câmara nós não tínhamos maioria absoluta. Nós tivemos que, ao longo do ano, ir conquistando a maioria absoluta. E conseguimos. Como eu disse aqui, foi um Congresso de viés mais conservador que foi eleito, e nós tivemos que trabalhar com essa realidade no curso do ano. 

O governo espera conseguir ampliar essa margem de votação no próximo ano?

Senador guarda em instante no Senado troféus do Prêmio Congresso em Foco que recebeu ao longo do mandato. Foto: Edson Sardinha/Congresso em Foco

O governo sempre espera ter maior facilidade e ter mais tranquilidade na Câmara e no Senado. Mas, se não ampliar, manter em 54 ou 55 no Senado está de bom tamanho. É uma margem boa para governar, mesmo porque a única proposta de emenda constitucional que o governo tinha com mais determinação para aprovar era a reforma tributária. Foi aprovada. Nas demais medidas, o quórum qualificado de três quintos talvez nem venha a ser necessário. Então manter essa margem nos dá certa tranquilidade. 

E a reforma tributária na Câmara? O governo considera que há algum perigo para ela ainda, ou é um jogo ganho?

Nenhum jogo é ganho antes de ser jogado. Ela ainda está em curso lá na Câmara. Deve ter ajustes feitos pelo deputado Aguinaldo [Ribeiro (PP-PB)], que é o relator. Mas o mais importante é que nós estamos otimistas. Tenho conversado com o ministro Haddad e com os outros, e nós temos a expectativa de até a primeira quinzena de dezembro promulgar a reforma tributária. Assim fazendo, nós vamos ter dado um enorme passo na simplificação dos tributos no país. Não é uma obra simples, é uma obra histórica. Histórica que marcará o nosso tempo aqui dessa legislatura. Então estou muito consciente e muito tranquilo. 

Há a possibilidade de fatiamento?

Nós não trabalhamos com nenhum cenário de fatiamento. Chegou a ser aventado, é verdade, até cogitei em um momento quando estava mais tortuoso. Mas tenho que cumprimentar o trabalho do senador Eduardo Braga [MDB-AM]. Nós estamos na expectativa de ter um bom texto, um texto unificado promulgado em dezembro.

O governo defende alguma mudança na Câmara em relação à reforma?

Nenhuma mudança. Total autonomia do relator: se Aguinaldo Ribeiro quiser fazer ajustes de bom tom, o governo dá a missão como cumprida. O que o governo considera fundamental é nós chegarmos a um ponto em comum para promulgarmos o texto neste ano.

Mas o governo trabalha com a possibilidade da reforma voltar novamente para o Senado?

Não. O governo trabalha para que a Câmara resolva a reforma tributária e nós tenhamos uma promulgação de texto em dezembro.

Uma crítica que foi feita à proposta aprovada no Senado é que teria aberto muitas exceções. Como o senhor avalia isso?

Eu concordo com uma análise feita pelo Bernard Appy [secretário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda]: é o custo político de uma reforma feita na democracia. Fazer uma reforma numa ditadura, como foi em 65, como foi em 37-38, no governo Vargas, é fácil. Na democracia, o Parlamento é o ambiente para receber pressões de diferentes setores, da sociedade civil, do empresariado. É o ambiente de escutar tudo isso. Então é óbvio que o ideal não era possível.

Eu até disse, parodiando o deputado Ulysses Guimarães, no dia da aprovação: pode não ser a reforma perfeita – ela mesma reconhece, dizendo que a cada cinco anos as exceções ocorridas estarão sob análise – mas, no desespero do sistema tributário que nós tínhamos, é luz. Mesmo que de lamparina.

E a reforma do Imposto de Renda? Qual deve ser o “tripé” dela?

A reforma deve modificar a lógica que nós temos no Imposto de Renda hoje. A lógica hoje é que os que menos têm pagam mais do que aqueles que mais têm; e os que mais têm pagam menos do que deveriam pagar. Então é esse o espírito que a reforma deve ajustar. Tem que ser uma reforma claramente redistributiva de renda. Talvez seja até mais complicada e mais difícil do que a própria reforma do sistema tributário como um todo.

A pressão vai ser grande?

Acredito que sim. Mas é um desafio nosso fazê-la e eu acho que conseguiremos.

E vocês trabalham com algum cronograma para a reforma tributária?

Nós vamos conversar esta semana ainda com o deputado Aguinaldo Ribeiro. O que nós pensamos é resolver o texto nas últimas semanas de novembro, e na primeira semana de dezembro ter a votação na Câmara.

E a do Imposto de Renda?

Aí eu acho que nós não temos mais tempo neste ano. Nós trabalhamos agora com o projeto de “Natal Perfeito”: nós temos aí o projeto das bets, temos o projeto dos fundos exclusivos e offshores, temos a MP das Subvenções, que é fundamental para o governo, e temos LDO. E na LDO aprovar também a emenda que foi rejeitada na Câmara para o arcabouço fiscal. É uma emenda que muda o calendário do IPCA [usado para os cálculos do arcabouço], o que pode dar uma margem de R$ 30 a R$ 40 bi para o governo, e aprovar a LDO e Lei Orçamentária. Nossa tarefa de final de ano é encerrar com isso.

Na semana que vem, o Congresso tem sessão para análise de vetos. O que é prioritário? Do que o governo abre mão para semana? Temos marco temporal, arcabouço fiscal e muitos outros.

Nós vamos enfrentar todos os vetos. Temos tido poucas sessões de apreciação de vetos em si, nós propositadamente adiamos ao máximo porque tínhamos que utilizar as sessões do Congresso para a aprovação de PLNs que eram vitais para o governo. Como aprovamos na última sessão do Congresso o que dá uma margem orçamentária de restauração das perdas que municípios tiveram com FPM e ICMS.

Eu estou pronto para termos uma sessão para disputarmos todos os vetos. Nós temos aí o veto do marco temporal, temos o veto do marco de garantias, temos o veto de um dispositivo do arcabouço fiscal, temos o veto do Carf. Vamos estar dispostos a disputá-los um a um. Tem uma longa agenda de vetos, acho que vamos ter uma longa sessão do Congresso. É natural que alguns sejam aprovados e outros sejam derrubados. Mas vamos ter 44 vetos na pauta. Estou pronto para ter uma sessão de Congresso onde nós levemos todos esses vetos para serem aprovados.

O senhor esteve na segunda-feira (13) com o ministro Haddad. Qual foi a principal orientação em relação a isso?

Nós conversamos fundamentalmente sobre a sessão do Congresso da próxima semana, e quais os vetos fundamentais para centrar força em torno da base do governo. E, já antecipando a pergunta que você deve fazer, certamente vamos trabalhar a manutenção do veto em relação ao Carf, mesmo porque tem uma medida alternativa sendo negociada, e o veto em relação ao arcabouço fiscal. Estes são questões centrais.

Em relação ao marco temporal, o senhor acha que isso é uma discussão que vai parar de novo no Supremo Tribunal Federal? Ou o Congresso pode decidir?

Acho que, se o Congresso tiver maioria e derrubar o veto, é a decisão do Congresso e o Executivo vai respeitar. O atual governo não fica recorrendo ao Supremo Tribunal Federal quando o Congresso Nacional ratifica ou retifica decisões. O governo respeita as decisões do Congresso. Agora, eu acredito, é uma impressão que eu tenho, que naturalmente a sociedade civil vai provocar o Supremo Tribunal Federal sobre esse tema, vide que é um veto que se deu a partir de uma decisão que se teve do Supremo.

Sobre a LDO. A meta fiscal

Meta fiscal, eu vou lhe dizer… o governo tem uma posição. O governo trabalha com a diretriz de déficit zero, e o governo vai fazer todos os esforços para que o déficit zero seja mantido. A essa altura, o déficit zero depende mais do Congresso do que do Executivo.  

Veja por que: se a gente aprova a MP das Subvenções, nós temos uma margem para o caixa do governo de poupança de pelo menos R$ 80 bi que serão economizados e R$ 35 de bilhões de receita para o ano que vem. Se nós aprovarmos o PL dos Fundos Exclusivos e dos Fundos Offshores, nós temos mais R$ 20 bilhões. Se nós aprovarmos o PL das Bets, nós teremos de R$ 1 a 5 bilhões. Vamos fazendo a conta aí. Se nós aprovarmos junto com esses dois ainda, na LDO, o dispositivo que muda o cálculo do IPCA, nós teremos uma margem orçamentária que vai também de R$ 30 a R$ 40 bilhões.

Estão percebendo? Estou colocando para vocês um conjunto de contas que pode nos dar uma margem de R$ 100 a 120 bi, pelo menos. Com essa conquista, a meta apontada de déficit zero pode ser mantida. Então eu acho – aí é minha opinião pessoal, não tem posição do governo em relação a isso: em princípio, nós não temos elementos para discutir mudança da meta de déficit antes do Congresso apreciar todas essas medidas. O Congresso aprovando todas essas medidas, passa a ser exequível a manutenção do déficit zero. Não é um horizonte impossível, é um horizonte exequível e realizável. E a orientação que estamos trabalhando é a manutenção do que está no texto da LDO, e esperamos a contribuição do Parlamento, do Congresso, para nos ajudar a alcançar o déficit zero. Repito: hoje a manutenção do déficit zero depende mais da aprovação de todas essas medidas do que do Executivo.

Então, uma eventual emenda de um aliado para mudar a meta fiscal seria contraproducente?

Nós não estamos trabalhando com nenhuma emenda. Enquanto não tiver a conta fechada por parte do Parlamento, não há por que se falar em fazermos qualquer tipo de alteração nesse momento. Se o Parlamento não aprova o PL dos Fundos Exclusivos e dos Fundos Offshores, se o Parlamento não aprova o PL das Bets, se não se aprova a margem prevista na LDO no cálculo do IPCA, se o Parlamento rejeita ou atrasa ou não garante a instalação da MP das Subvenções ou a aprovação do PL das Subvenções antes de 31 de dezembro para cumprir o princípio da noventena, aí sim.

A meta do déficit zero é uma meta que não é do Executivo, é uma meta do Brasil. O Parlamento tem que ter sua responsabilidade com isso. Se nós apontarmos para essa meta, temos uma tendência mais incisiva da queda da taxa de juros, temos uma redução maior da taxa de desemprego, temos a segurança necessária para ampliar os investimentos que vão ter aqui no país, temos um horizonte caminhando para o pleno emprego dentro dos próximos dois anos, temos uma tendência da inflação ficar dentro da meta. Não pode ser só responsabilidade do Executivo. É importante, inclusive, sobretudo que a imprensa livre compreenda isso. E deixe claro que a responsabilidade é do Legislativo também. O Congresso tem um conjunto de medidas para serem apreciadas, para serem votadas. E aqui ao lado, também, o Judiciário, a Suprema Corte, tem várias causas que estão sendo julgadas lá. Tem que ter dimensão do que significam esses julgamentos para o impacto fiscal e para a receita da União.

O que o presidente não quer? O presidente não quer cortar investimentos. Não quer contingenciar Bolsa Família, não quer contingenciar os investimentos em saúde depois da tragédia que foi nos quatro anos anteriores, o presidente não quer contingenciar recursos de investimentos, como do PAC… Mas é possível não ter contingenciamento, manter os investimentos e realizar a meta do déficit zero. 

Há entendimento com o presidente da Câmara para votar a MP das Subvenções?

O ministro Haddad tem conversado com o presidente Arthur Lira exaustivamente, diariamente. Eu tenho certeza que terá. O próprio presidente Arthur Lira tem sido um dos mais ardorosos defensores da meta do déficit zero, então eu tenho certeza que ele tem responsabilidade com isso. Ele sabe o que representa a MP das Subvenções para alcançarmos a meta. Nós todos, agentes públicos, presidente da Câmara, o presidente do Senado, temos que ter coerência com o que falamos e com o que nós fazemos. Tenho sentido do presidente Arthur um compromisso. Ele tem inclusive nos alertado que o não cumprimento de meta pode acarretar em irresponsabilidade do governo. Então tenho certeza que ele tem responsabilidade também para contribuir para que a Câmara ajude a alcançar a meta do déficit zero e com isso instalar a medida provisória ou, ainda, aprovar o PL em urgência. O PL das subvenções é central para a meta de déficit zero.

O Centrão, liderado pelo Arthur Lira, foi entrando no governo aos poucos. Hoje, qual é a margem que o senhor vê na Câmara, de votos, para o governo? E como o senhor vê a voracidade – o governo entrega um ministério, mas às vezes pedem outro ministério, outro cargo. O que o governo deve fazer para não virar refém do Centrão?

O governo, desde 1º de janeiro, não é refém. O presidente Lula, como poucos, tem consciência do momento histórico que ele está, da relação e do que reza a Constituição de 1988, que fundou em nosso país um presidencialismo de coalizão. Não existe funcionamento desse presidencialismo se não for em comum acordo, se não for em coalizão com o Parlamento. Além disso, tem um momento histórico. Repito: não é um governo de esquerda. É um governo de união nacional, de união e reconstrução. Para fazê-lo, tem que ter composição com diferentes forças.

A transição para o atual governo foi feita pensando nisso. Por isso, partidos que não estavam na coalizão de dez partidos que se sagrou vitoriosa em 30 de outubro de 2022, mas que eram importantes para dar estabilidade política, foram chamados para compor o governo, como é o caso do União Brasil. Outros partidos, mesmo não estando na coalizão vitoriosa, se manifestaram com interesse de ajudar o governo na obra de reconstrução nacional e foram incluídos no governo. É o caso do Progressistas e do Republicanos. Vou citar um outro partido que não estava na coalizão vitoriosa, mas manifestou interesse em estar junto do governo: caso do Podemos. Esses partidos ingressaram posteriormente. Todos os partidos que vierem e quiserem participar da obra da reconstrução são, para nós, bem-vindos. 

Agora, o presidencialismo de coalizão, assim como é da natureza do parlamentarismo, ou até do presidencialismo mais comum tem um pressuposto: a responsabilidade recíproca entre a força que governa e as forças que dão sustentação. As forças que integram o governo dão sustentação ao governo. Já que reivindicavam, são chamados para governar juntos e, obviamente, acreditamos que têm a responsabilidade de votar com o governo.

A respeito do equilíbrio do governo com o Congresso, como o senhor vê a possibilidade de um eventual retorno de Davi Alcolumbre para a presidência do Senado?

O senador Davi é do arco de coalizão do governo, como tantos outros. O governo não vai se manifestar nesse momento sobre qualquer uma das possibilidades para a sucessão, e nós do governo ainda achamos muito cedo para isso. Nós ainda nem acabamos o ano de 2023, a eleição para a presidência das Casas acontecerá em 1º de fevereiro de 2025. É muito tempo. Seria prematuro da minha parte como líder do Governo no Congresso, da parte de qualquer líder do governo e da parte de qualquer agente político do governo antecipar algum prognóstico sobre qualquer membro da base que porventura reivindique ser presidente. Lá na Câmara os comentários é que tem três ou quatro. Imagine se na Câmara o governo começasse a manifestar preferência por um ou por outro. Sendo alguma liderança dos partidos que integram a base de apoio ao governo, o governo vai estar à disposição para trabalhar juntos. Seja quem for.

Em relação às indicações para PGR e STF, qual é o prazo para o governo mandar um nome?

É o prazo do presidente, é o tempo do presidente. Pode ser que surja um nome e amanhã, antes dessa entrevista que eu estou fazendo com vocês ir ao ar, pronto. Como manda a Constituição: a escolha do procurador-geral da República, a escolha do ministro para o Supremo Tribunal Federal é uma decisão unipessoal, unilateral do presidente da República. Pede apenas: conduta ilibada, notório saber jurídico, ter mais de 35 anos de idade, no caso de procurador-geral da República, ser membro do Ministério Público, e no caso do Supremo Tribunal Federal, ter alguma experiência no exercício jurídico, na atividade jurídica. Existem outros critérios que são da decisão unipessoal e unilateral do presidente da República, o presidente deve estar amadurecendo esses critérios. Ele tem que amadurecer, com muito cuidado, sobretudo em relação à Procuradoria Geral da República, que é uma escolha muito amiúde.

Me permitam aqui relatar uma emissão de posição pessoal minha. Ao longo do tempo, a Constituição de 88 levou o Ministério Público a uma condição única, de poderes únicos, que nós sempre respeitamos e sempre exaltamos. Mas ao longo do tempo, sobretudo da última década, parte desses poderes foram deturpados. Abriu-se espaço para um excesso de poder, inclusive para um poder que é da estrutura jurídica do Estado brasileiro querer fazer política, como aconteceu na Operação Lava Jato. Então é uma ameaça enorme. O Ruy Barbosa e vários outros sempre diziam que a pior das ditaduras é sempre a ditadura dos juízes, quando os juízes passam a fazer parte da política. A mesma coisa serve para o Ministério Público.

Tivemos uma experiência difícil na última década e nos últimos quatro anos tivemos uma omissão que levou à morte de 700 mil brasileiros. No caso da Procuradoria Geral da República, não pode ser a tentativa de protagonismo, porque a magistratura não é feita – e um membro do Ministério Público é um magistrado – para protagonizar. Não pode ser um protagonismo, mas também não pode ser a omissão que foi nos últimos quatro anos. Nessa baliza que o presidente está pensando, está avaliando, e eu acho que deve ter o tempo necessário para fazer isso.

Sobre a proposta aqui no Senado para limitar, de certa forma, esse poder do Supremo Tribunal Federal…

Eu não acho de bom tom, a esta altura, depois da quadra difícil que foi a quadra do fascismo. Não sou favorável a qualquer modificação das atribuições e poderes do Supremo Tribunal Federal. Isso não diz respeito a opiniões que eu posso ter: acho interessante que nós possamos vir a debater, por exemplo, um mandato. Há temas que temos que debater; o Judiciário, como todos os Poderes da República, está à mercê do debate no crivo político, na casa dos representantes do povo, que é o Congresso Nacional.

Mas lembremos do 8 de janeiro. De todos os prédios aqui da Praça dos Três Poderes, onde a ferocidade, o ódio mais foi exalado? Foi sobre a Suprema Corte. E por que foi sobre a Suprema Corte o nível de beligerância maior, naquele 8 de janeiro? Porque a Suprema Corte, durante os quatro anos do governo fascista bolsonarista, de todos os Poderes, foi o mais atacado. Porque ela acabou se tornando naquele período a última ratio de defesa da democracia. Quando, inclusive, em muitos momentos, até o próprio Legislativo não conseguia reagir: o grande momento de reação do Legislativo foi durante a CPI da Covid e a atuação do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, na ocasião das eleições, quando foi um dos primeiros a reconhecer o resultado das eleições. Mas quando as pessoas estavam morrendo na pandemia, era para o STF que se recorria para ter as medidas protetivas da saúde. Quando o meio ambiente estava sendo devastado pela política ambiental do governo anterior, foi para lá que se recorreu. Nesse momento eu não acho qualquer alteração de bom tom, não considero adequado.

Mas é a posição do governo também?

Não, é a minha posição particular. É a minha posição como historiador. Como historiador que sou, eu sei a circunstância, a dor e a delícia do momento histórico. Eu acho que nós temos momentos para ter o debate, mas nesse momento… não no momento em que a Suprema Corte está ainda como alvo dos movimentos de extrema-direita, não considero adequado qualquer tipo de mudança. Não posso dizer que essa é a posição do governo. Mas é a minha posição como parlamentar deste tempo histórico.

Como líder, o senhor pretende agir concretamente para frear esse avanço sobre as prerrogativas do Supremo?

Não como líder. Como parlamentar, eu vou me opor a qualquer mudança das atribuições do Supremo Tribunal Federal nesse momento. Como me opus antes: na legislatura passada, eles queriam cassar ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas por quê? Como retaliação, como revanchismo. A bílis deles em relação ao Supremo e ao Executivo continua. É latente. 

Nós temos um dever na história nesse momento, é fazer girar a quadra histórica. É colocar o fascismo que ascendeu e as feras que saíram da Caixa de Pandora de volta no lugar, para ter um restabelecimento de um ambiente democrático. Com o restabelecimento, e eu acredito que esse é um dos grandes desafios do governo do presidente Lula, levar o Brasil a um clima de equilíbrio institucional até o ano de 2026, aí podemos discutir. Dentro de um ambiente que não esteja contaminado, que não esteja envenenado. Nós temos um ambiente sob muita tensão pelo menos até 2026. Veja: nós fizemos uma série de realizações para melhorar a vida do povo. Mesmo apesar dessas realizações, ainda tem uma pressão e uma mobilização presente nas redes sociais. Ainda tem muito para se fazer para derrotar na sociedade o fascismo. 

Quando o presidente Lula se reelegeu, nos primeiros discursos, ele enfatizou muito: derrotamos o Bolsonaro, mas não derrotamos o bolsonarismo; existe só um Brasil, não existem Brasis. Passado um ano, as pesquisas mostram que o país continua muito dividido. O que o governo tem de fazer para superar essa polarização?

A sua pergunta tem, como eu costumo dizer, significado e diagnóstico de tudo o que eu falei até aqui. O bolsonarismo, que é a nossa versão fascista contemporânea, não foi derrotado. Quer dizer: foi derrotado eleitoralmente, foi derrotado com o sucesso do governo no curso do ano, mas a margem é muito tênue. Por isso que eu digo: não podemos ter pressões institucionais nesse momento, sobretudo sobre instituições que estiveram e estão historicamente sob ataque.

Segundo, é o seguinte, é um diagnóstico: uma quadra histórica não se muda somente com eleição. Na Alemanha e na Itália, no início do século 20, mesmo com toda a tragédia da Segunda Guerra, o fascismo continuou latente na sociedade europeia. Tanto que ressurge hoje. Eu estava até mostrando um livro ainda há pouco, do Levitsky, é leitura básica, Como as Democracias Morrem, tem uma nova edição de Levitsky e Ziblatt, que é Como Salvar a Democracia” a atual, que responde muito dessa pergunta.

Nós estamos vivendo sob uma experiência fascista. O contraponto ao que nós fazemos é o fascismo bolsonarista. E a tese deles não é o conservadorismo, o conservadorismo busca conservar instituições. A tese deles é o reacionarismo. Que tem Carl Schmitt, alguns teóricos do fascismo, como suas referências históricas e teóricas. A base deles é sempre a destruição dos pilares da democracia liberal. Manter os pilares da democracia liberal é o primeiro passo para salvar em definitivo a nossa democracia.

O processo de confronto com o fascismo é um processo social-histórico. Não se encerra em uma eleição, não se encerra num momento, se encerra ao fim de um ciclo histórico. Nós ainda temos um ciclo histórico para concluir. O fecho desse ciclo histórico passa pelo sucesso do nosso governo, e passa sobretudo por restaurar a estabilidade institucional dos pilares que foram fundados pela Constituição de 1988. Por isso que, quando você me pergunta, sou contra qualquer modificação das atribuições do Supremo Tribunal Federal através do Parlamento.

Em que ponto está a sua eventual filiação a um partido?

Rapaz… neste ano eu até arranjei uma mulher para casar, mas não consegui encontrar um partido para me levar na vida. Pretendo resolver até o final do ano. Tenho dialogado com o MDB, com o PT e com o PSD. Minhas escolhas, acho que vão girar um pouco em torno disso. Eu ainda preciso fechar ciclos e conversas para ter mais amadurecimento. Quero ter uma escolha que seja coerente com minha trajetória política. Mas eu espero até dezembro dar essa notícia para vocês.