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Primeiro dia de consulta sobre terceirização tem denúncias de assédio, ameaças e PM nas escolas

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Data: 06/12/2024 22:10:32

Fonte: plural.jor.br

O primeiro dia de consulta à comunidade sobre a adesão ao programa de terceirização de escolas no Paraná teve denuncias de assédio a pais e mães de alunos, ameaças de abertura de processo administrativo contra professores e campanha favorável feita por funcionários de empresas terceirizadas, denunciou o APP-Sindicato nesta sexta-feira (6). A consulta seguirá neste sábado e na segunda-feira.

O sindicato também registrou a presença da Polícia Militar (PM) em alguns estabelecimentos de ensino, a pedido da direção ou da Secretaria de Estado da Educação (Seed), para tentar retirar os contrários à adesão ao programa. Sugerido pelo governo de Ratinho Júnior (PSD) e aprovado em junho pela Assembleia Legislativa do Paraná, o programa Parceiro da Escola prevê a terceirização da gestão de 177 colégios no estado. A previsão é repassar R$ 1,8 bilhão para a iniciativa privada em quatro anos.

A PM esteve pelo menos duas vezes no Colégio Estadual Ivo Leão, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Em uma delas, foi feito um boletim de ocorrência contra a advogada e dirigente sindical Marilda Ribeiro. Segundo a dirigente, o sargento da PM disse que ela estava tentando “causar um conflito” por fazer uma pergunta para um votante. 

“Estava tudo tranquilo, chegou uma viatura da Polícia Militar e um sargento começou a conversar com um avô responsável que tinha acabado de votar. Ele disse que tinha recebido um vídeo da Seed sobre a votação. Eu perguntei se era apenas comunicando a votação ou se pedia voto”, relatou Marilda Ribeiro. “O policial disse que eu tinha interrompido a conversa e estava tentando causar conflito, que teria que fazer um boletim de ocorrência”. Depois disso, o grupo foi obrigado a retirar uma faixa contrária ao programa.

Os alunos de 16 e 17 anos do Colégio Ivo Leão são os únicos com essas idades aptos a votar em todo o estado. O decreto da Seed que regulamentou a consulta determinou que apenas estudantes com mais de 18 anos poderiam votar, mas na quinta-feira (5) a 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba concedeu uma liminar ao grêmio estudantil do colégio, que garantiu o direito de participação de alunos com 16 anos ou mais.

O governo recorreu da decisão na madrugada desta sexta, para impedir que estudantes com 16 e 17 anos tenham direito ao voto. Segundo Marilda Ribeiro, a comissão de organização da consulta instalou uma urna específica para os votos desses alunos. O objetivo seria eliminar os votos caso o governo consiga a cassação da liminar. “Questionamos e o presidente da mesa disse que estava cumprindo ordens”, disse a dirigente sindical.

Também em Curitiba, um professor identificado como Delton Gomes, que seria chefe do Núcleo Regional Sul da Seed, disse em um grupo de WhatsApp que chamaria a “patrulha” depois de ser informado que sindicalistas falavam com pais na frente de uma escola. “Há um grupo pequeno de pessoas da APP na frente da escola e eles estão abordando os pais e ficando muito tempo orientando antes da votação”, informou no grupo uma pessoa identificada como Rosimar, como mostra o print enviado ao Plural. “Faça imagens por favor”, respondeu Gomes, “vou avisar a patrulha”.

O diálogo no grupo de WhatsApp mostra que pode existir uma articulação de funcionários escolhidos pela Seed para trabalharem pela aprovação do programa Parceiro na Escola.

Pressão em Foz

Pela manhã o clima foi tenso no Colégio Almirante Tamandaré, em Foz do Iguaçu. Segundo a dirigente sindical Margleyse Santos, policiais militares e funcionários do Núcleo Educacional de Foz tentaram retirar do local os contrários à terceirização. “Chamaram uma viatura. A policial disse que teríamos que sair, senão chamaria reforço para nos retirar”, contou Margleyse Santos em live transmitida pelo APP-Sindicato.

A policial registrou um boletim de ocorrência e a situação só se acalmou com a chegada de uma segunda viatura, disse a dirigente sindical. Um policial teria autorizado os sindicalistas permanecerem no local. “Disseram que poderíamos ficar, mas que a Seed vai fazer um processo administrativo contra nós e os professores que estão aqui”. Depois disso, o grupo teria sofrido pressões de um homem que não se identificou e mostrou uma carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Falaram que o estado tem dinheiro e que estamos lidando com a máquina, que tem poder. Perguntaram quem somos nós.”

Margleyse Santos, professora estadual e dirigente sindical em Foz do Iguaçu

Terceirizados e PSS

Funcionários de empresas terceirizadas e contratados via PSS (Processo Seletivo Simplificado) também estariam fazendo campanha pelo Parceiro na Escola, disseram dirigentes sindicais do interior do estado. Em Londrina, segundo o professor e dirigente Márcio Ribeiro, os terceirizados usaram camisetas a favor do programa.

“Estamos em uma luta contra uma máquina poderosíssima e agora contra as empresas terceirizadas também. Tem várias pessoas com a camisa oficial da Seed, com o ‘sim’, transitando pela escola. São pessoas contratadas por empresas terceirizadas. Teve também carros de som contratados pela Seed”, disse Márcio Ribeiro. “O Colégio Estadual Ubedulha é muito visado, passou no passado pelo processo para se tornar uma escola cívico-militar e foi negado”.

Leia mais: Governo Ratinho usa dados pessoais para fazer propaganda e omite problemas no Parceiro da Escola

Em Arapongas, uma empresa terceirizada enviou banners favoráveis à privatização, disse Carlos Diniz, da direção do APP-Sindicato. Além disso, contratados pelo PSS também teriam aderido à campanha pelo Parceiro da Escola. “Eles têm contratos fragilizados e são pressionados pelas direções”, afirmou. “A empresa (terceirizada) mandou banners e tirou foto com diretores”.

Segundo Diniz, foram encontrados materiais favoráveis à terceirização dentro do Colégio Antonio Racanello Sampaio, o que contraria a Orientação emitida pela Seed na quinta-feira (5). A Secretaria determinou que não podem ser distribuídos nem afixados materiais de campanha nas escolas e nos arredores. O colégio é outro que o governo de Ratinho Júnior já tentou transformar em escola cívico-militar.

No Núcleo Regional de Jacarezinho, funcionários teriam acompanhado os pais até o local de votação. “O Núcleo Regional está colocando funcionários em peso, conversando com os pais e assediando. No início o portão estava praticamente fechado. Iam até o carro, conversavam com os pais, mães e funcionários e levavam para dentro da escola para votar”, denunciou o professor e dirigente sindical Juliano Teixeira, que disse ter presenciado a situação no Colégio Durval Ramos Filho, em Andirá. 

Material de propaganda favorável à terceirização distribuído em escola (Foto: colaboração)

Credenciados

A Seed dividiu as 177 escolas que poderão ser terceirizadas em 15 lotes. O vencedor de todos os lotes foi o Grupo Impulso Educação (Salta), que tem entre seus acionistas o bilionário Jorge Paulo Lemann, um dos envolvidos no escândalo contábil das Lojas Americanas. Lemann é o segundo homem mais rico do Brasil, segundo a revista Forbes, com uma fortuna estimada em US$ 16,1 bilhões. Como cada concorrente só poderá assumir até cinco lotes, os mais lucrativos deverão ficar com o Grupo Impulso.

Os outros oito credenciados são: Grupo Positivo + Tom Educação; Colégio Dom Bosco; CETEB/Grupo Rousseau; Consórcio APG GOV – Educa Paraná (Colégio Apogeu); Fundação Educacional Menonita; CNEC (Campanha Nacional de Escolas da Comunidade): Astra; e Centro Educacional Integrado.

Os nove credenciados se inscreveram somente para o primeiro lote aberto pela Seed, denunciou no início da semana a deputada estadual Ana Júlia Ribeiro (PT). Ela protocolou uma representação no Tribunal de Contas do Estado afirmando que havia a possiblidade de as credenciadas serem indicadas automaticamente para algum dos outros 14 lotes, o que caracterizaria contratação cruzada. O resultado divulgado pela Seed na quinta-feira confirmou que apenas os nove inscritos foram credenciados para todos os lotes. Ana Júlia anexou o resultado ao processo.

Leia mais: Em vitória para Ratinho, TC troca relator de processo contra terceirização de escolas

Sem quórum, quem decide é o governo

Apesar da movimentação em torno da consulta, a votação poderá não ter nenhum efeito em algumas escolas. O decreto que regulamenta a consulta determina que, caso não seja atingido o quórum em cada escola (50% dos votantes mais um), caberá à própria Secretaria a decisão sobre a adesão ao programa. O APP-Sindicato recorreu à Justiça e conseguiu a barrar essa determinação, mas no início da noite desta sexta-feira o Tribunal de Justiça do Paraná cassou a liminar. O sindicato anunciou que vai recorrer.

Em matéria publicada na Agência Estadual de Notícias, a Seed informou que, até o fim da tarde desta sexta-feira, cerca de 13,5 mil pessoas haviam votado (13,5% do total) no estado. Até segunda-feira, segundo a Secretaria, a expetativa é que 86 mil pessoas, do total de 100 mil aptas a votar em 98 municípios, participem da consulta à comunidade escolar. Neste sábado (7), a votação será das 8h às 17h, e na segunda-feira (9), das 8h às 20h30. As urnas serão abertas na segunda-feira.

Podem votar professores e funcionários (efetivos ou contratados em Regime Especial), pais ou responsáveis por estudantes menores de 18 anos e alunos com mais de 18 anos.

O Plural fica aberto a eventuais manifestações da Seed e da PM a respeito das denúncias apresentadas nesta matéria.


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