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“O Direito EAD é a possibilidade do curso chegar a locais que mais precisam e menos têm” | UNINTER NOTÍCIAS

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Data: 21/01/2025 14:12:14

Fonte: uninter.com



Até 2020, o Brasil contabilizava mais de 1,5 milhão de advogados ativos no país. Grande parte deles concentrados no Estado de São Paulo (374.179) e Rio de Janeiro (158.342). Em contrapartida, Roraima (RR) e Acre (AC) são os estados com o menor número de profissionais da área, com 2.825 e 3.929 advogados, respectivamente. 


As duas maiores populações do país também contam com maior possibilidade de acesso à justiça. No estado paulista (459.973.194 habitantes), há 324 comarcas judiciais e 49 defensorias públicas, enquanto em terras cariocas (17.219.679 habitantes) é possível encontrar 81 comarcas judiciais e 35 defensorias públicas. Em RR, a população de 636.707 habitantes conta com oito comarcas judiciais e oito defensorias públicas. Já no AC, os 830.018 habitantes encontram 22 comarcas judiciais e dez defensorias públicas. 


Não por acaso, “os Estados que contam com o maior número de advogados ativos para a garantia do acesso à justiça são efetivamente os locais que contam também com o maior número de habitantes e, não coincidentemente, são também referenciais econômicos da nação”. É o que afirma a coordenadora do curso de bacharelado em Direito da Uninter, Tiemi Saito.  


Na tese de doutorado O ensino jurídico do século XXI: Uma revolução necessária na estrutura pedagógica do curso de bacharelado em Direito, defendida na manhã de 5 de dezembro de 2024, a agora doutora propõe um Projeto Pedagógico de Curso (PPC) para o bacharelado em Direito na modalidade de educação à distância (EAD).  


O estudo, realizado no Programa de Pós-graduação em Educação e Novas Tecnologias da Uninter (PPGENT), foi aprovado com o louvor da nota máxima pela banca composta pelo orientador Alceli Alves, e os avaliadores André Peixoto, Luis Fernando Lopes, Ivo Both e Rodrigo Otávio dos Santos. A pesquisa ainda contou com a coorientação do reitor do centro universitário, Benhur Gaio.  


“O Direito EAD é a possibilidade do curso de Direito chegar a locais que mais precisam e que menos têm, a um valor acessível. O fundamento de razão social e democrática é o que, para mim, faz ter sentido as coisas que a gente vive, estuda e pesquisa, porque todo mundo tem direito ao conhecimento. É isso que, para mim, dá razão ao que a gente vive como docente, é mudar a história e o caminho que as pessoas estão”, declara a doutora.  


O produto é resultado de uma pesquisa que se iniciou antes mesmo do doutorado, quando Tiemi coordenou um projeto para o curso de Direito EAD na Uninter e recebeu nota máxima do MEC, muito embora depois o órgão não tenha autorizado a oferta da graduação por nenhuma instituição. 


A própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação para que as propostas das instituições não pudessem mais ser avaliadas, o que prova que o tema ainda é um tabu para os profissionais.   


Todo o processo de defesa da tese de Tiemi aconteceu de forma presencial, no auditório do edifício Garcez, com transmissão remota ao vivo. 


Uma revolução necessária  


Para a pesquisadora, vários fatores foram somados para a inquietação que a motivou a buscar sobre a problemática, entender e argumentar cada um dos pontos. Tiemi lembra que o Direito nasceu por meio da e para a elite, quando, no começo, apenas pessoas relacionadas à coroa podiam atuar. Uma questão de emancipação política, na qual juristas e diplomatas representariam o país e negociariam com Portugal.  


Por isso, a docente acredita que as barreiras impostas diante da democratização do estudo dão “a impressão de que a elite realmente não quer que se abra para todo mundo”. Isso, porque o curso se trata de uma área que demanda apenas teoria e retórica, escrita e fala. Não trabalha com instrumentos, como a Medicina, por exemplo. 


“É triste, mas ainda tem uma função política de manutenção do status quo da sociedade, essa estratificação que temos entre classes e é notória”, afirma. 


Tiemi não vê motivo para que os alunos não possam estudar de casa, uma vez que audiências de custódia, de instrução e julgamento, assim como sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acontecem, ou já foram possibilitadas, de forma remota. Outro ponto diz respeito às pós-graduações, que são ofertadas na EAD. “Se é uma questão de qualidade, qual é o parâmetro que temos?”, questiona.  


A profissional ressalta que o maior argumento que se tem mercadologicamente é de que “não precisa”. “Talvez, para quem tem acesso a tudo, não seja necessário mesmo. Mas para quem realmente precisa, vai ser uma ferramenta muito necessária, e a qualidade conseguimos manter tanto quanto. No final das contas, mede a qualidade quando terminar o curso, com a prova da ordem. Por que não? Vai ter que passar de qualquer forma. Mas [por meio da EAD] possibilitamos isso para quem hoje não tem acesso nenhum”, diz. 


A oportunidade de transformar a vida de pessoas e famílias que vivem do mínimo e que, com a formação, podem, inclusive, representar a própria classe de trabalho, é uma das questões mais significativas dentro da pesquisa para a doutora. O que apresenta o senso de valor e humanidade dentro da área. Tiemi lembra de um estudante que atuava como motoboy e, por diversas vezes, pensou em desistir do curso, devido às madrugadas viradas em entregas. Ele não só continuou, mas se formou e passou na prova da ordem. 


“Acho que é a única coisa que a inteligência artificial não vai nos retirar, porque ela segue padrões de repetição e bases de dados e informações que vamos alimentando. O senso humano é a única coisa que vai nos restar”, salienta.  


Dentro do PPC proposto por Tiemi, há o desenvolvimento de uma plataforma que simula processos jurídicos – o Processo Jurídico Acadêmico Simulado (PROJAS) -, na qual o estudante atua como advogado e o professor como juiz ou promotor. Ao invés de levar para sala de aula, vai deferir ou indeferir, a partir dos mesmos trâmites e prazos de casos reais. A ideia é que o software funcione como hoje os profissionais atuam pelo tjpr.jus.br/projudi/?utm_source=uninter-noticias&utm_medium=referral”>Projudi, o escritório virtual, por exemplo. 


No plano, cada polo de apoio presencial (PAP) da Uninter teria um advogado na função de orientador educacional. Uma alternativa seria uma equipe de profissionais da área em Curitiba (PR), onde estão as sedes da instituição, e a realização de agendamento de horários para atender cada região do país. Os advogados fariam as orientações de casos jurídicos e práticas. 


Os pressupostos pedagógicos da proposta se dão em torno de metodologias ativas, andragogia (abordagem educacional que se concentra na aprendizagem de adultos), inovação, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, formação de competências, tecnologias educacionais, loco regionalidade e autonomia de aprendizagem. 


Enquanto os princípios da estrutura curricular dizem respeito a um docente participativo e mediador, relacionamento interpessoal, organização do conhecimento, ênfase no aprendizado, currículo adequado e avaliação continuada.  


Dedicação que abre caminhos 


Primeira doutora da família, Tiemi sente que percorreu a trajetória até o doutorado abrindo caminhos. A coordenadora do curso de Direito lembra que foi bolsista durante toda a caminhada acadêmica, desde o ensino fundamental, que realizou no Colégio Adventista, até o doutorado, no qual conquistou uma bolsa de estudos de 50%.  


O primeiro interesse profissional de Tiemi estava ligado à área da saúde, pois desejava fazer cursinho e tentar uma vaga para Medicina. A mãe, Darlene, viveu a maternidade  solo de três filhos, já que o pai da docente, Ronaldo Saito, faleceu há cerca de 25 anos. Darlene alertou a filha sobre o alto valor do estudo e foi o padrasto advogado, na época juiz, que a colocou no caminho jurídico. 


Assim como muitos filhos de pais que veem no Direito uma área promissora e com bom retorno financeiro, escutou: “Vai fazer Direito, depois você faz o que quiser”. Assim, a profissional diz que aprendeu a gostar da área, mas vive uma relação de conflito dentro dela.  


“O Direito de uma classe não é o mesmo Direito que outra classe exerce. Vemos casos que chegam no escritório dos alunos e pensamos em como tudo isso aconteceu e como o Estado não viu. Sei que muitas pessoas vem fazer Direito justamente por sentir na pele ou com os seus amados, família e amigos, uma justiça injusta, que na prática não acontece”, explica.  


Foi justamente a função social e o intuito de mitigar essa desigualdade que levou Tiemi a pesquisar sobre o tema da democratização do estudo de Direito na EAD, com a possibilidade de alcançar regiões onde não chega e, quando chega, se dá de forma inacessível.  


“As mesmas possibilidades e que já não são as mesmas, né? Porque uma família que tem que se sustentar ou cursar Direito, vai comprar comida […] É uma quebra [de paradigmas], e por isso a questão de uma revolução necessária. As palavras do título foram pensadas exatamente para refletir essa problemática toda que estamos vivendo nessa transição. Temos que alinhar e trabalhar com essa realidade”, acrescenta a docente. 


A disciplina e dedicação ela credita aos ensinamentos do pai, originários da cultura japonesa, a qual preza pela honra do nome da família. “Por isso, eu sempre busquei 100% fazer o meu melhor”, enfatiza.  


Tiemi confia na própria capacidade e dedicação, mas se considera uma pessoa ainda muito nova, ao lembrar que assumiu a coordenação do curso aos 30 anos de idade. Papel no qual hoje ela lidera profissionais que a ensinaram durante a graduação e local onde hoje também leciona para a mãe, estudante de Direito no centro universitário. 


“É um misto de admiração e respeito. É uma dinâmica muito engraçada, vamos trocando os papeis […] Penso que isso melhora não só a mim, como pessoa, e a minha família, no que se refere à honra e pertencimento. Sinto que essa história toda melhora todo mundo que tem em volta. Gera um impacto muito grande nas pessoas, porque elas cresceram, acompanharam um pedaço da sua trajetória, viram um pouco do que você passou e falam ‘é possível chegar lá’”, acredita a docente.  


“De bons rascunhos, vem boas ideias” 


Para Tiemi, o doutorado não iniciou com a aprovação, mas confia que o caminho foi forjado desde “lá de trás”. “É como se você viesse construindo aquilo que vai apresentar. A minha experiência é essa: eu vim disso e, para mim, faz todo sentido pesquisar isso tudo aqui”, complementa.  


Quando iniciou o projeto para o curso de Direito EAD, era a única que possuía mestrado, que havia começado como tutora em cursos de pós-graduação da área jurídica na EAD e que, posteriormente, foi transferida para a graduação presencial. Dessa forma, conseguia articular os dois universos “que são bem diferentes, embora se encontram em alguns momentos”, salienta.  


A docente ingressou na instituição em 2016, na tutoria de pós-graduações lato sensu. No ano seguinte, lecionou a disciplina de Direitos Humanos nos cursos presenciais de bacharelado em Ciência Política e Relações Internacionais. Já em 2019, finalizou o mestrado em Direito, Teoria e História da Jurisdição e assumiu as disciplinas de Direito Constitucional, Direito Penal II, Direito Penal III e Direito Penal IV no bacharelado em Direito presencial.  


“Nossa, não é que essa tal de docência em sala de aula é boa?”, pensou Tiemi após as primeiras experiências. “Eu sempre tive a ideia de ser professora. Não fui uma criança que brincou de casinha, de boneca e essas coisas. Eu colocava meus bichinhos e ficando dando aula para eles”, relembra a docente.  


Após diversas reuniões debatendo sobre as metodologias necessárias, a utilização de ferramentas tecnológicas no ensino jurídico, bem como a possibilidade do curso ser ofertado na modalidade EAD, Tiemi foi convidada para uma reunião com o reitor Benhur, o vice-reitor, Jorge Bernardi, a diretora da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e de Segurança (ESGPPJS), Débora Veneral, e o coordenador de Direito à época, Jailson Araújo. 


Na ocasião, Tiemi fez um rascunho do que seria o PPC do Direito EAD, que ficou com o reitor, ao ouvir que “de bons rascunhos, vêm boas ideias”. “Tenho muita gratidão por esse apoio acadêmico, profissional e de confiança”, diz a docente.  


Assim, assumiu a coordenação do projeto junto aos professores André Peixoto e Tatiana Zempulski, que passaram a desenvolver pesquisas e realizar reuniões periódicas para o desenvolvimento da nova matriz curricular. 


“Até então, ninguém conseguia vislumbrar o curso de Direito EAD que efetivamente funcionasse e não prejudicasse a aprendizagem dos alunos. Só conseguimos vislumbrar aquilo que a gente viveu e aprendeu. Por isso falo de uma revolução […] O aluno assume outra posição nesse formato, o professor tem outra perspectiva também sobre o ensino. A gente tem que efetivamente sair da aula palestra e promover uma outra coisa, mas ninguém sabia que coisa era essa, então acho que a tese começou nesse momento”, afirma Tiemi.  


Quando decidiu ingressar no PPGENT, o projeto para o curso na modalidade já havia sido aprovado com nota máxima pelo MEC. No entanto, a autorização para as instituições ofertarem foi negada pelo órgão. Nesse momento, os profissionais utilizaram o projeto para adaptar as tecnologias para o presencial, que já tinha a liberação para realizar 40% da formação de forma remota, por meio da portaria do MEC nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019. 


Em 2022, Tiemi foi convidada pelo reitor Benhur e pela diretora Débora para assumir a coordenação do curso de Direito presencial da Uninter, no qual tem trabalhado “com a matriz curricular desenvolvida, que traz na estrutura os preceitos de inovação e pertinência ao atual contexto tecnológico no qual vivemos, contando com disciplinas presenciais, remotas e híbridas”. 


“Precisamos mudar a mentalidade do Direito, de como isso no jurídico é afetado e é proposto para os alunos. Não adianta a gente encarar as tecnologias digitais como um grande avanço humanitário, porque é um patrimônio da humanidade e não tem volta, mas olhar para isso como uma ferramenta de ensino e aprendizagem mesmo. Repensar como modelamos isso dentro de uma relação entre professor e aluno”, salienta a coordenadora.  


A docente conclui que os alunos “são a razão de tudo isso”, por isso é grata por quem veio antes e abriu caminhos para que fosse possível o trabalho que faz hoje. Assim como todos os líderes, professores, colegas e colaboradores da instituição que compartilham o dia a dia e possibilitam as conquistas. “Não dá para chegar muito longe sozinho”, finaliza.  



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Autor: Nayara Rosolen – Analista de Comunicação


Edição: Larissa Drabeski


Créditos do Fotógrafo: Nayara Rosolen