Gata é autora de ação contra clínica veterinária por maus-tratos
Data: 24/01/2025 15:01:39
Fonte: migalhas.com.br
Uma gata foi incluída como coautora em ação judicial que analisa maus-tratos supostamente ocorridos durante procedimento cirúrgico em clínica veterinária.
A decisão foi proferida pelo juiz de Direito Regis Adil Bertolini, da 2ª vara Cível de Santa Maria/RS, segundo o qual, animais podem ser sujeitos de direitos, e, portanto, integrar o polo ativo de uma ação.
No pedido formulado pela tutora do animal, que solicitou o reconhecimento da felina como parte no processo, o magistrado analisou precedentes da Justiça brasileira sobre o tema.
“Embora o reconhecimento da capacidade de ser parte dos animais domésticos ainda seja um tema controverso, a jurisprudência dos tribunais brasileiros vem, progressivamente, admitindo essa possibilidade, especialmente em ações que envolvam respeito, dignidade e direitos desses seres“, destacou o juiz.
Assim, concluiu que a gata poderá integrar o polo ativo e ser representada, no processo, por sua tutora.
Gata poderá atuar como coautora em ação contra clínica veterinária.(Imagem: Freepik)
“Capacidades” dos animais
Os animais não possuem capacidade de postular em juízo. Para que seus direitos sejam assegurados, é necessário que sejam representados por quem detém essa capacidade, como o MP, a Defensoria Pública ou seus tutores, que devem outorgar mandato a um advogado.
Essa representação difere da capacidade de estar em juízo, que os animais também não possuem, pois dependem da atuação de seus representantes, já que não podem agir de forma autônoma em processos judiciais.
No entanto, algumas decisões judiciais já admitiram que os animais sejam formalmente reconhecidos como autores ou coautores em processos relacionados aos seus direitos. Confira abaixo.
Pensão mensAU
Em 2021, o Estado do Paraná tj-pr-animais-podem-ser-parte-em-acao-judicial” target=”_blank”>reconheceu que os cachorros Spyke e Rambo poderiam ser autores em ação contra os antigos donos por maus-tratos, pedindo pensão mensal e danos morais.
Uma ONG de Cascaval/PR representou os animais em uma ação contra os antigos donos que viajaram e os deixaram sozinhos por 29 dias. O pedido foi negado em 1ª instância, mas revisto pela 7ª câmara Cível do TJ/PR, que, de forma unânime, reconheceu o direito dos animais de serem autores de ações judiciais.
- Processo: 0059204-56.2020.8.16.0000
Caso Tokinho
Em 2023, câmeras de segurança flagraram o então tutor de um cão chamado Tokinho o agredindo. Após o homem ser preso, Tokinho foi levado a um hospital veterinário para tratamento, recuperou-se e foi encaminhado a um lar temporário.
A juíza de Direito Poliana Maria Cremasco Fagundes Cunha Wojciechowski, de Ponta Grossa/PR, aceitou Tokinho como autor em uma ação contra o ex-tutor. Na ação, protocolada pela ONG Grupo Fauna de Proteção aos Animais, Tokinho “pedia” R$ 5 mil por danos morais e R$ 820 pelos custos com a alimentação, cuidados e segurança.
Na decisão, a magistrada afirmou que “os animais, enquanto sujeitos de direitos subjetivos, são dotados da capacidade de ser parte em juízo (personalidade judiciária), cuja legitimidade decorre não apenas do direito natural como também do direito positivo estatal“.
O processo ainda não foi julgado e aguarda dilação probatória.
Leia a decisão.
Castração caseira
Em agosto de 2024, o cão Theo, um Shih Tzu de sete anos, foi autor de uma ação judicial em Sapiranga/RS.
A 1ª vara Cível do município, por decisão liminar da juíza de Direito Paula Mauricia Brun, determinou que Theo permanecesse sob os cuidados de uma clínica veterinária até o julgamento definitivo.
A ação foi movida pela clínica em nome do animal e pediu a destituição da guarda de sua tutora, além de indenização por danos materiais e morais.
Theo chegou à clínica em estado crítico após sofrer maus-tratos em uma castração caseira. A juíza destacou que os animais são reconhecidos como seres sencientes e sujeitos de direitos
Leia a decisão.
Assistentes de AUcusação
No Paraná, em 2023, cães resgatados de um canil em condições deploráveis foram autorizados a atuar como assistentes de acusação em um processo contra sua ex-tutora.
A ONG Instituto Fica Comigo, que realizou o resgate de 200 cães em Curitiba, fundamentou o pedido em artigo do CP, que permite ao ofendido ou seu representante atuar ao lado do MP. A responsável pelo canil foi denunciada por maus-tratos, mas a iniciativa de incluir os cães como assistentes marca um precedente interessante.
Hcs
Casos envolvendo animais como “pacientes” em habeas corpus também chamam atenção.
Em 2005, um HC foi impetrado em favor da chimpanzé Suíça para sua transferência do Zoológico de Salvador/BA para um local de proteção em Sorocaba/SP, mas ela faleceu antes da decisão.
Em 2021, a égua Fada impetrou um HC, pedindo para viver em liberdade e não ser mais submetida a trabalhos forçados. Após sofrer maus-tratos, Fada foi resgatada pelo Centro de Controle de Zoonoses de Campos dos Goytacazes/RJ. Um santuário e uma clínica de equoterapia disputaram sua guarda.
Negativas
Por outro lado, a 1ª câmara Especializada Cível do TJ/PB negou, em 2021, a possibilidade de um cachorro ser parte em processo judicial. O colegiado confirmou, de forma unânime, decisão da 5ª vara Cível de João Pessoa.
No caso, o cão Chaplin buscava indenização por danos morais contra um edifício e uma construtora, mas a Corte considerou que animais não têm capacidade processual, conforme previsto no CC e no CPC.
O relator, juiz convocado Inácio Jário Queiroz de Albuquerque, destacou que, embora a Constituição reconheça a proteção dos animais, isso não os qualifica como sujeitos de direitos com personalidade jurídica
Veja o acórdão.
No Ceará, o cão Beethoven, vítima de disparo de arma de fogo que perfurou seu globo ocular, “assinou” uma petição judicial com sua patinha.
No entanto, em 2023, o juiz de Direito Hugo Gutparakis, da 2ª vara de Granja/CE, extinguiu a ação devido à irregularidade processual. O magistrado reconheceu que o tutor ou o MP poderiam representar o animal e concedeu prazo para corrigir a inicial.
Ainda assim, determinou medidas protetivas para Beethoven, incluindo a proibição de aproximação pelo agressor e multas de até R$ 50 mil em caso de reincidência.
Apesar da tentativa de recurso, o TJ/CE manteve a decisão de extinguir a ação.
Leia a decisão.
No legislativo
Em 2019, o plenário do Senado aprovou PL que cria o regime jurídico especial para os animais. De acordo com o texto aprovado no PLC 27, os animais não poderão mais ser considerados “coisas”. Como foi modificada no Senado, a matéria retorna para a Câmara dos Deputados. Agora, aguarda ser pautado na CAPADR – Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.
Em 2021, foi apresentado na Câmara, o PL 145, que altera o CPC para permitir que animais não-humanos possam ser, individualmente, parte em processos judiciais, sendo representados pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por associações de proteção dos animais ou por quem detenha sua tutela, ou guarda. O texto tramita na Câmara dos Deputados e aguarda ser pautado na CMADS – Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.