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A tutela de evidência inaudita altera parte e o princípio do contraditório

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Data: 28/01/2025 14:22:00

Fonte: migalhas.com.br


I. Introdução: Entre as tutelas provisórias, uma possibilidade de pedido liminar sem o requisito da urgência


Não seria irresponsável afirmar que um dos objetivos do processo judicial é promover efetividade na resolução dos litígios. E para dar efetividade à solução de litígios, é preciso, ainda, que a prestação jurisdicional seja tempestiva. Afinal, não se limita, o Judiciário, à mera atribuição para processar e julgar as demandas: o provimento jurisdicional deve ser conferido em tempo hábil, evitando comprometer o exercício de direitos em razão do decurso do tempo.


Em certas situações, portanto, a demora no provimento jurisdicional pode se tornar extremamente onerosa à parte, podendo tornar inócuo o plei to deduzido em juízo, criando maior distanciamento à efetividade buscada pelo processo. Para proteger essas garantias processuais e constitucionais, alguns institutos foram criados a fim de que, quando o caso, a prestação jurisdicional são seja demasiadamente protelada.


Nesse contexto, surge a figura da tutela provisória, com raízes no próprio acesso à justiça. É medida que se presta a adiantar os efeitos de uma possível sentença favorável antes de sua prolação definitiva, ou de evitar o perecimento de direitos, quando não for possível aguardar todo o trâmite do processo para que determinado provimento jurisdicional seja conferido, preservando alguns direitos da parte.


Dentro do gênero da tutela provisória está, como uma de suas espécies, a tutela de urgência, que pressupõe, além de um juízo de probabilidade do direito de quem a plei teia, a existência de periculum in mora. A tutela provisória de urgência pode se prestar a assegurar o futuro resultado útil do processo, para assegurar a sua efetividade (tutela cautelar) e pode ser destinada à imediata realização prática do direito alegado pela parte, quando houver perigo iminente para o direito substancial (tutela antecipada).


Há, do outro lado, outra espécie de tutela provisória que adquiriu maior relevo após o advento do Código de Processo Civil de 2015, diante da sua normatização expressa no texto legal: a tutela de evidência. Segundo o Ministro Luiz Fux, autor da precursora obra sobre o tema no Brasil, a expressão “tutela de evidência” se refere às pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte litigante se revela evidente,1 e independe da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo para seu deferimento.


A tutela da evidência está prevista no art. 311 do CPC e pode ser deferida nas hipóteses dos seus incisos I a IV: (a) abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; (b) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (c) se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito; e (d) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.


A normatização e a ampliação dos casos de tutela da evidência é um grande passo tomado pelo Código de Processo Civil de 2015, pois a partir da ponderação de interesses relacionados ao contexto prático do processo civil, se possibilita alcançar um equilíbrio de tratamento que não prejudique exageradamente nenhuma das partes em litígio mesmo quando não se está diante de uma hipótese tradicional de urgência.


Mais ainda, o art. 311, parágrafo único, permite que, nas hipóteses previstas nos incisos II e III – prova documental suficiente e havendo tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmulas vinculantes e nos pedidos reipersecutórios -, o magistrado poderá decidir pelo deferimento liminar da tutela de evidência, isto é, sem a oitiva da parte contrária (inaudita altera parte).


A despeito da relevância inegável da tutela da evidência para o processo civil, no que tange às hipóteses de concessão liminar, uma primeira impressão que se poderia ter seria de uma aparente incompatibilidade entre a tutela de evidência inaudita altera parte e o princípio do contraditório,2 pois tal garantia somente poderia ser excepcionada em hipóteses muito restritas, em especial, quando presente a urgência no caso, já que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV, CF).


O que se pretende examinar nas próximas linhas é se essa possibilidade de deduzir pedido liminar, suscetível a deferimento inaudita altera parte, sem o requisito da urgência, fere irremediavelmente o princípio do contraditório ou, então, se ela denota uma necessária flexibilização na aplicação de tal princípio, para garantir, enfim, a efetividade no processo.


II. Antes, uma breve contextualização: a tutela provisória e os Códigos de Processo Civil


Embora tutela provisória somente tenha sido normatizada na lei processual civil com o advento da lei 8.952/94, que modificou o art. 273 do Código de Processo Civil de 1973 – referida ali como “antecipação de tutela” -, acrescentando hipóteses para o deferimento da antecipação de tutela,3 o instituto que, na prática, já era utilizado antes de sua expressa previsão legal.


Antes da lei 8.952/94, o processo de conhecimento clássico só permitia que fosse impactada a esfera jurídica da parte contrária a partir do trânsito em julgado da sentença. Como regra, era vedada a adoção de qualquer medida antecipatória do mérito da causa. A razão por detrás de tal posicionamento residia justamente nos direitos do contraditório e da ampla defesa, assegurados pelo art. 5º, LV, da CF, a fim de que, antes do pronunciamento judicial, a parte demandada tivesse a oportunidade de influir no processo4.


Entretanto, a ausência de um mecanismo para resguardar o direito da parte demandante em situações periclitantes ou potencialmente irreversíveis em razão da conduta ou inação do réu, discutidas no processo, acabava por gerar injustiças. O trâmite do processo judicial poderia ser extremamente penoso à parte, quando obrigada a aguardar durante tempo incerto por uma prestação jurisdicional que, por ser concedida tardiamente, tornava infrutífero, na prática, o processo instaurado.


Diante deste cenário, que trazia profunda insegurança jurídica, procurou-se criar um instituto que pudesse garantir a efetividade da prestação jurisdicional em tempo hábil, para não tornar inócua a tutela perseguida e ineficaz o processo judicial. Criou-se, então, a figura da tutela cautelar, provimento jurisdicional de cunho assecuratório que visava garantir a eficácia do processo.


Ainda assim, havia uma problemática. Considerando que a tutela cautelar tem como objetivo assegurar o resultado útil do processo, depois de cumprida sua função acautelatória, ela perderia a sua eficácia. Em regra, este tipo de tutela se extingue quando há, ou quando não há, a obtenção da tutela satisfativa definitiva. O resultado positivo ou negativo em nada influenciava: a tutela cautelar acabaria quando houvesse a efetiva resolução do processo.5


Logo, ainda que a tutela cautelar tenha atendido a alguns inconvenientes e defasagens sofridos em virtude da morosidade do Poder Judiciário, ela não conseguiu alcançar, de forma plena, a efetividade da tutela jurisdicional para essas situações. Como consequência, os tribunais brasilei ros, sem que houvesse dispositivo legal específico para tanto, passaram a desvirtuar o objeto da tutela cautelar, concedendo medidas antecipatórias atípicas, como se cautelares fossem. Essa figura ficou conhecida, no meio jurídico, como “cautelar satisfativa”.6


Esse cenário mudou a partir da lei n° 8.952/94, por meio da qual modificou-se o CPC/73 para fixar regras gerais de aplicabilidade e concessão da tutela antecipada (antecipação de tutela). Dessa forma, procurou-se impedir a utilização inadequada do processo cautelar, além de proporcionar uma simplificação do processo judicial, com a finalidade de reforçar a efetividade da prestação jurisdicional nessas hipóteses específicas.


A tutela antecipada, portanto, significou um grande avanço ao direito processual civil, inclusive pelo fato de que a antecipação dos efeitos de uma possível sentença favorável poderia ser formulada pela parte demandante no bojo de um processo de conhecimento, no qual se obteria, ao final, a tutela satisfativa em cognição exauriente, o que se diferenciava fundamentalmente da tutela cautelar. E foi isso o que valeu, por quase duas décadas.


Anos mais tarde, com o advento do CPC/15, o instituto passou nova reformulação, a começar pela nomenclatura. Nele, a antecipação de tutela e a medida cautelar passaram a fazer parte do gênero de tutelas provisórias, que comporta as espécies de tutela provisória fundadas na urgência: tutela cautelar e tutela antecipada, ambas podendo ser requeridas em caráter antecedente ou incidental (art. 294, parágrafo único, CPC/15).


Além disso, como se adiantou, foi incluída expressamente a tutela de evidência como espécie de tutela provisória. Ao contrário da sua “coirmã”, não se exige a demonstração do risco de dano irreparável ou de difícil reparação, tampouco risco ao resultado útil do processo. Compreendeu, por isso, uma importante mudança de paradigma da tutela provisória.


III. A tutela de evidência no Código de Processo Civil de 2015


A tutela da evidência pode ser concedida nos casos em que se verifica uma maior probabilidade do direito alegado, aliada à injustificada demora do processo, desde que inseridas nas já descritas hipóteses do art. 311, CPC/15. A exigência do grau de probabilidade do direito alegado é ainda maior na tutela da evidência, o que se justifica pelo fato de inexistir a necessidade de caracterização de situação de urgência para que se adiantem os efeitos de um provimento que somente poderia ser ulterior.


O juízo de probabilidade particular à tutela da evidência, que se apresenta junto à verossimilhança das alegações da parte, é o que definirá a concessão da medida e, para tanto, há inquestionável importância de que a parte que a requer consiga provar, de forma satisfatória, os fatos constitutivos de seu direito que ensejem a concessão da medida.7


A primeira hipótese de tutela de evidência, prevista no inciso I do art. 311 do CPC/15, se refere aos casos em que há abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório da parte. A conduta da parte adversa é elemento central para o exame da medida, devendo se comprovar que ela esteja agindo de forma processualmente inadequada, se opondo injustificadamente à pretensão da sua contraparte.8


De acordo com o CPC/15, essa hipótese não pode ser concedida em caráter liminar, dependendo de manifestação prévia da parte contrária, exercendo o contraditório, ou da adoção de alguma conduta abusiva ou protelatória A questão, entretanto, não é isenta de críticas, pois não é incomum que partes recorram a condutas abusivas mesmo fora do processo para protelar o exercício dos direitos da outra parte.9


A segunda hipótese de aplicação da tutela da evidência ocorre quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (inciso II, art. 311). O dispositivo traz duas situações distintas, mas que compartilham uma característica em comum: o direito da parte pode, em tese, ser aferido de plano e ele se adequa a julgados que pressupõem grau de vinculação ao órgão julgador.


Aqui, o ponto central reside concomitantemente no peso da prova documental – capaz de demonstrar a existência de direito líquido e certo, ou ao menos com substancial grau de probabilidade sobre a pretensão da parte – e na existência de súmula vinculante e/ou de tese firmada em julgamento na sistemática de casos repetitivos, aptos a gerar precedentes vinculantes ao mesmo órgão prolator e aos órgãos ad quem.


A terceira hipótese trata do pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob pena de multa, o que não abre margem para muitas dúvidas acerca de sua aplicação (inciso III, art. 311). O pedido reipersecutório se refere aos casos em que o autor demanda determinado bem ou direito que é seu, mas que se encontra, por algum motivo, fora de seu patrimônio. Por meio de uma ação reipersecutória, o demandante pretende reivindicar este bem ou direito.


Ademais, o inciso reforça, ao se referir que a prova documental deverá ser “adequada do contrato de depósito“, que deverá haver um juízo maior de probabilidade sobre essa prova documental. Não à toa, caso a prova documental seja considerada adequada, será decretada a pronta ordem de entrega do bem custodiado, sob cominação de multa.


Finalmente, a última hipótese, prevista no inciso IV do art. 311 do CPC/15, ocorre quando a petição inicial for instruída pela parte autora com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do seu direito e, oportunizada a manifestação à parte ré a respeito dessas alegações, não seja ela capaz de apresentar prova capaz de gerar dúvida razoável à pretensão autoral.


Conquanto a redação do inciso IV tenha conferido menor rigor quanto ao peso dessa prova, ainda assim, a “prova documental suficiente” é aquela que convença o juiz de que os fatos narrados pelo autor têm grandes chances de serem verídicos, o que levaria a um provável um juízo de procedência da ação proposta pelo autor ao final do processo. De todo modo, naturalmente, a prova apresentada pelo autor não precisa ser absoluta.


Em todos esses casos, tal como ocorre em relação às tutelas provisórias em geral, deve-se atentar à reversibilidade da medida, consubstanciada na possibilidade de que os efeitos da tutela de evidência não sejam capazes de causar danos irreversíveis ou de difícil reparação à parte demandada (novamente, o periculum in mora inverso).


A despeito da inexistência de inserção expressa anteriormente ao CPC/15, a tutela de evidência já era analisada – ainda que de forma mais tímida – pelos tribunais.10 Porém, foi com a sua inclusão no CPC/15 que se consolidou o seu uso nos processos judiciais, sendo nítido o crescente número de casos que envolvam a análise da tutela de evidência.11


IV. O princípio do contraditório e o processo civil


Inserido dentro dos princípios norteadores do processo civil, o princípio do contraditório é corolário da paridade de armas e exprime a necessidade de participação democrática no processo.12 Embora equivocadamente tratado como sinônimo da ampla defesa, esta consiste em um dos elementos do contraditório, que permite às partes que apresentem adequadamente suas alegações, com a possibilidade de provar os seus argumentos e interpor eventuais recursos cabíveis.13


O contraditório, derivado do devido processo legal, está tradicionalmente ligado com o binômio informação-reação. O direito de informação pressupõe que as partes sejam cientificadas da existência da demanda e dos atos nela praticados (informação), enquanto o direito de reação implica que, uma vez informado acerca da demanda existente e de atos processuais tomados, a parte possa se manifestar na defesa de seus interesses, como a produção de provas, participação de audiência, inquirição de testemunhas, entre outros (reação).14


Só que mais do que o binômio tradicional, à parte também deve ser conferida a possibilidade de influir na elaboração da decisão a ser proferida no processo judicial (direito de influência), participando ativamente do processo, apresentando argumentos, requerendo e produzindo provas e discutindo todas as questões de fato ou de direito submetidas à apreciação judicial, com a finalidade de influir de forma eficaz nas decisões do magistrado.


Portanto, o contraditório se torna verdadeiramente eficaz quando observados o direito de informação, de reação e de influência. Daí decorre a necessidade de um contraditório participativo no processo, promovendo o diálogo entre as partes e o magistrado, de modo a assegurar justamente o princípio democrático na estruturação do processo.15


Essa perspectiva faz surgir a necessidade de conceber o contraditório não como mero direito das partes em litígio, mas também em dever do juiz.16 E no atendimento a esse dever, a conduta do magistrado deve ser ativa, devendo zelar pelo efetivo contraditório, conferindo às partes a igualdade de tratamento.17


V. A tutela de evidência inaudita altera parte e a flexibilização do princípio do contraditório


Em regra, o contraditório eficaz é prévio, anterior à prolação de qualquer decisão, devendo a sua postergação, através de tutelas provisórias, ser excepcional e fundamentada na convicção firme da existência do direito do requerente e na cuidadosa ponderação dos interesses em discussão e dos riscos da antecipação ou do retardamento da decisão.18


Contudo, no caso específico da tutela de evidência, surgiram alguns questionamentos a respeito da possibilidade da sua concessão inaudita altera parte, pois isso subverteria a lógica estabelecida pelo atual Código de preservar o contraditório, e não o restringir, com exceção dos casos em que a ocorrência de um “mal maior”19 (por exemplo, o periculum in mora) justifique a postergação do contraditório para momento ulterior à decisão judicial.


Essas críticas se aplicam às duas hipóteses de concessão liminar da tutela previstas nos incisos II e III do artigo.20 A desaprovação reside no fato de que a prova documental trazida pela parte autora pode ser refutada ou impugnada pelo réu, inclusive podendo extirpar a sua força probante, impondo que a se aguarde o contraditório prévio para decidir-se. A questão, segundo esse entendimento, não se resolveria com a exigência de que a tese seja firmada em regime de repetitivo ou por súmula vinculante, mesmo pela possibilidade de distinguishing.21


Por isso mesmo, chegou-se a cogitar de inconstitucionalidade dos arts. 9º, parágrafo único, inciso II, e 311, parágrafo único, ambos do CPC/15. De acordo com esse entendimento, não se estaria cogitando de inconstitucionalidade do instituto da tutela da evidência, mas sim da sua concessão inaudita altera parte,22 devendo ser previamente oportunizada a oitiva do réu antes do exame acerca do deferimento da tutela.


A cogitada violação ao princípio do contraditório, segundo essas críticas, coloca o contraditório prévio como soberano em relação aos princípios da efetividade, celeridade e segurança jurídica, o que impactaria a formação do diálogo entre partes e juiz e comprometeria o contraditório participativo que deve ser assegurado aos envolvidos no processo.23


Contudo, não parece ser essa a melhor interpretação sobre o princípio do contraditório no contexto da tutela de evidência. Afinal, o contraditório não é eliminado na concessão liminar da tutela da evidência, mas a sua análise é meramente postergada, como medida excepcional, sopesando os interesses em jogo, sobretudo a efetividade e a duração razoável do processo e da entrega da prestação jurisdicional, além de encontrar eco no princípio da segurança jurídica.


Ainda que possibilitada a concessão inaudita altera parte, o contraditório deverá ser plenamente exercido no processo, oportunizando ao réu o exercício de seu direito de informação, reação e influência, como pontuado acima – em realidade, o contraditório será postergado, e não extirpado -, e todo esse caminho culminará na prolação de uma sentença que decidirá a lide em observância aos princípios constitucionais.24


Esse entendimento se coaduna, inclusive, com os princípios da efetividade – aqui compreendida também a duração razoável do processo – e da segurança jurídica, e de forma alguma deixa de observar o contraditório, que será apenas diferido para momento posterior, em juízo de ponderação dos interesses e valores constitucionais em jogo.


Frise-se, o que ocorre é a antecipação dos efeitos de uma decisão favorável desde logo, sem que seja necessário aguardar todo o processamento da demanda.25 Não se aceleram os andamentos processuais; se concede temporariamente a tutela jurídica pretendida, empregando técnica de abreviação dos efeitos do tempo sobre o processo, que pode, ou não, ser confirmada a posteriori, seja em decisão interlocutória ulterior, após exercido o contraditório, e, em último caso, com a prolação da sentença de mérito. O processo continuará seguindo a sua regular marcha, com o início e término das fases postulatória, instrutória e decisória, em regra.


E, naturalmente, como ocorre no exame de qualquer espécie de tutela provisória, o magistrado deverá tomar todas as precauções possíveis para se deferir a antecipação de tutela sem comprometer a situação jurídica da parte adversa a ponto de gerar a sua irreversibilidade. Soma-se isso à circunstância de que a tutela da evidência é faculdade conferida ao magistrado quando, seguindo o seu convencimento, concluir que a concessão poderá ou não ser feita em sede de cognição sumária.


Havendo dúvidas, evidentemente, o magistrado, mesmo nas hipóteses descritas nos incisos II e II do artigo 311, poderá optar por ouvir a parte contrária antes de examinar a questão. Tudo isso dependerá da análise do caso em concreto, no qual, mediante o cotejo dos valores em discussão, se definirá qual princípio deve prevalecer.


De todo modo, todas as circunstâncias descritas acima são corroboradas por aspectos de ordem prática: diante da existência de uma alta probabilidade do direito da parte, se coaduna com a ideia de um processo justo delongar um provimento jurisdicional em seu favor – o qual, destaca-se, poderá ser revistado posteriormente – para se ouvir a parte contrária? Sobretudo diante de um Poder Judiciário profundamente assoberbado com a quantidade de processos?


A resposta, no que se considera o melhor entendimento, deve ser negativa. Afinal, não pode o autor, dotado de direito provável e verossímil, ser penalizado com alongamentos demasiados do processo, acometendo a efetividade da tutela do seu direito e a segurança jurídica, corroborada com a existência de prova documental robusta e/ou questões jurídicas já enfrentadas em sede de precedentes com caráter vinculante.26


Os posicionamentos diversos acerca da questão ensejaram, já em 2016, a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 5.492 (“ADIn”), pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro,27 por meio da qual se questionou, entre outros dispositivos, a inconstitucionalidade dos artigos 9º, parágrafo único, e 311, parágrafo único, do CPC/15, que autorizam a concessão inaudita altera parte da tutela da evidência. O fundamento para a declaração de inconstitucionalidade seria justamente uma suposta ofensa “ao núcleo essencial da garantia do contraditório participativo”.


No âmbito da ADIn, a Presidência da República, o Senado Federal e a Procuradoria Geral da República defenderam a constitucionalidade dos dispositivos legais, justamente sob o argumento de que não há violação do contraditório, apenas o deslocamento do direito de resposta para momento posterior ao da concessão liminar da tutela de evidência – o que parece ser o entendimento mais adequado, em vista do juízo de sopesamento entre princípios.


A ADIn foi submetida a julgamento pelo Tribunal Pleno do STF e, em razão da relevância da matéria, foi determinada a aplicação do procedimento abreviado previsto no artigo 12 da lei 9.868/99, a fim de que a decisão fosse tomada em caráter definitivo pelo STF.


Em julgamento virtual, o Relator da ADIn, Ministro Dias Toffoli concluiu no sentido de julgar parcialmente os pedidos formulados nos autos e, especificamente em relação aos artigos que tratavam da tutela da evidência, declarou constitucionais “a referência ao inc. II do art. 311 constante do art. 9º, parágrafo único, inc. II, e do art. 311, parágrafo único”. O Ministro Luís Roberto Barroso pediu vista dos autos, os quais foram posteriormente reincluídos em pauta virtual para julgamento definitivo do colegiado.


Ao final, por maioria de votos, foi julgado parcialmente procedente o pedido da ADIn e, nesse âmbito, foi declarada a constitucionalidade da referência ao inc. II do art. 311 constante do art. 9º, parágrafo único, inc. II, e do art. 311, parágrafo único, ambos do CPC/15.


O voto condutor concluiu que “o objetivo da tutela de evidência é antecipar o resultado útil do processo naqueles casos em que o direito material se mostra evidente, ou seja, dotado de máxima probabilidade”, o que motiva uma resposta judicial rápida por parte do Poder Judiciário, a fim de que possa garantir a efetividade da prestação jurisdicional.


Anotou-se, ainda, que o princípio contraditório sofreu alterações ao longo dos anos e das alterações legislativas, sendo certa a imposição do princípio da força normativa da constituição, que garante a reinterpretação de diversos ramos do direito conforme as normas fundamentais da Constituição Federal. Nessa seara, poderia se interpretar que o contraditório formal estaria reforçado pelo princípio da não surpresa e da necessidade de participação efetiva das partes para a formação do convencimento do juiz (contraditório participativo), mas o voto condutor ressalta que “se trata de uma regra geral que comporta temperamentos, como ocorre com todos os preceitos dotados de generalidade, e, de outro lado, que o direito ao contraditório não foi suprimido pelas normas fustigadas, mas apenas diferido”.


Justamente por esse motivo não se concebe que a tutela de evidência concedida liminarmente violaria o contraditório, o qual estaria meramente diferido, postergado para momento processual ulterior, ainda que não haja propriamente uma urgência no caso concreto. Isso porque outros princípios constitucionais devem ser também observados, como a duração razoável do processo, a celeridade e o acesso à justiça. Em outras palavras, deve ser buscada a “efetividade dos direitos” e evitar que o tempo acrescente desmedidos ônus e custos às partes, mesmo quando o direito detido se revela ‘evidente’, o que corrobora o cabimento da tutela de evidência inaudita altera parte.


Daí porque, firme nessas razões, concluiu-se pela constitucionalidade dos artigos que autorizam a concessão liminar da tutela da evidência conforme a previsão legal no CPC/15. Nada mais correto, ao menos em nosso entendimento, porquanto adequada e necessária a lei tura da questão de acordo com o sopesamento de princípios constitucionais, bem como a concepção de que o contraditório não é violado – muito pelo contrário, ele é prestigiado, mas apenas diferido para outro momento processual, como se tem pontuado no presente artigo.


VI. Conclusão


O contraditório, a despeito de sua relevância para o exercício democrático dentro do processo, não pode ser compreendido de forma absoluta, restritiva e limitada. Nessa linha de intelecção, embora a regra estabelecida pelo CPC/15 seja a do contraditório prévio, não parece ser a melhor interpretação que esse momento processual não possa ser, quando o caso, flexibilizado à luz de outros valores constitucionais.


Justamente por isso, deve-se admitir que o contraditório seja exercido de diversas formas, podendo ser invertido, estabelecido ou mesmo diferido, a depender dos interesses em jogo, podendo envolver os princípios da efetividade, da duração razoável do processo, da segurança jurídica, do acesso à justiça e a própria gestão eficiente dos processos nos tribunais.


É dentro desse contexto que surge a possibilidade de concessão inaudita altera parte da tutela de evidência, uma faculdade conferida ao juiz, desde caracterizadas as hipóteses descritas no artigo 311, incisos II e III, do CPC/15. Isso decorre da característica da tutela de evidência ser uma técnica de atuação judicial, apta a abreviar os efeitos do tempo sobre o processo em hipóteses já tidas pelo atual Código como restritivas e excepcionais.


Daí porque, embora respeitando o exercício argumentativo e o compartilhamento de opiniões e oposições doutrinárias, não se pode defender a alegação de incompatibilidade da concessão liminar da tutela da evidência com a lei processual civil e mesmo com a própria Constituição. Esse entendimento parece partir da premissa de que o emprego da tutela de evidência liminar extirparia o contraditório no processo, o que não é verdade.


Certas peculiaridades da situação de direito material, observadas no caso concreto, poderão permitir a concessão inaudita altera parte da tutela de evidência, caso em que o contraditório apenas será diferido para um momento posterior, a fim de não prejudicar o autor que possua, em seu favor, uma alta carga de verossimilhança de suas alegações. Em todo caso, a técnica antecipatória será excepcional e só pode ocorrer de modo justificado, em decisão devidamente fundamentada, sopesando os interesses em discussão.


A concessão liminar da tutela de evidência, portanto, não elimina o contraditório, mas apenas o posterga, Ela, sim, envolve a necessária flexibilização do contraditório, o que se permite em prol da efetividade da prestação jurisdicional, no devido processo legal, duração razoável do processo, segurança jurídica e acesso à justiça.


________


1 FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo: Editora Saraiva, 1996. p. 305-306.




2 Lênio Streck, Lúcio Delfino e Diego Crevelin já teceram críticas sobre a tutela de evidência sob esse prisma, chegando a apontar a inconstitucionalidade dos artigos 9º, parágrafo único, inciso II, e 311, parágrafo único, ambos do CPC: “Conclui-se que o inciso II do artigo 9º e o parágrafo único do artigo 311 do CPC-2015 encerram proteção deficiente da garantia do contraditório e não se mostram necessários à proteção adequada de qualquer outro direito ou garantia fundamental, razão por que são eivados de inconstitucionalidade material, devendo deixar de ser aplicados, na via difusa, e declarados inconstitucionais, na via concentrada. Presente, pois, a violação da Untermassverbot (princípio da proibição de proteção deficiente). A sanção é a inconstitucionalidade” (STRECK, Lênio; DELFINO, Lúcio; CREVELIN, Diego. Tutela provisória e contraditório: uma evidente inconstitucionalidade. CONJUR, 15 mai. 2017, disponível em https://www.conjur.com.br/2017-mai-15/tutela-provisoria-contraditorio-evidente-inconstitucionalidade#sdfootnote9sym, acesso em 28/01/2025).




3 De acordo com a redação original do artigo 273 do CPC/73, previa-se apenas que “[o] procedimento especial e o procedimento sumaríssimo regem-se pelas disposições que lhes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento ordinário.” A alteração promovida pela lei 8.952/94 ao referido dispositivo legal alterou a sua redação, para fazer constar o seguinte: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:  I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1 o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2 o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3 o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. § 4 o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5 o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6 o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7 o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”




4 A respeito do direito de influência da parte no processo, Marco Antonio Rodrigues expõe que “[p]ara das partes, ao lado dos direitos de informação e reação, surge um direito de participação na formação do convencimento judicial para a prolação da decisão da demanda. Em outros termos, a garantia impõe um direito de influência na tomada de decisão pelo magistrado. A garantia em questão passou a ser vista, portanto, como de um contraditório participativo, no sentido de que são alargadas às partes suas possibilidades de atuação em prol de seus interesses, mas também impondo ao juiz o dever de deixar de ser mero expectador, para participar de um diálogo construtivo, em que ele, o demandante e o demandado construirão a solução para a demanda em jogo.” (RODRIGUES, Marco Antonio. A modificação do pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2014. p. 162).




5 Digno de nota que, em muitos casos, a parte autora ajuizava a ação cautelar para impedir a violação de um direito seu, mas, depois de findo o processo, com a resolução de mérito, não se podia vislumbrar qualquer motivo para ajuizar posteriormente um procedimento “principal”, uma vez que a tutela perseguida já havia sido garantida. É o que explica Luiz Guilherme Marinoni: “Se alguém temia, antes da introdução nos novos arts. 273 e 641 no CPC, a violação do seu direito da personalidade, não existiria outra ação, além da ação cautelar, para tutelá-lo de forma adequada, impedindo a sua violação. Contudo, proposta a ação cautelar, e obtida a sentença capaz de impedir a violação do direito, nenhuma ação principal poderia ser imaginada por aquele que somente necessitava ir ao Poder Judiciário para conseguir a tutela que já havia sido entregue por meio do instrumento da ação cautelar.” (MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação de tutela, 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 69).




6 Fredie Didier Jr. bem ilustrou essa conjuntura: “Havia uma desnecessária dobra de processos: a ação principal dessa ação cautelar nada mais era do que a renovação da ação cautelar satisfativa originária, uma espécie de demanda confirmatória dos termos da demanda anteriormente ajuizada (…). Se de um lado poderia ser encarada como um desvirtuamento da técnica processual, de outro o surgimento jurisprudencial das “cautelares satisfativas” serviu como demonstração da forca normativa do princípio da adequação: diante de um sistema inadequado para a tutela dos direitos em situação de urgência ou evidencia, o Poder Judiciário viu-se na contingência de “adequar” a legislação processual e sanar a lacuna legislativa; e, neste último aspecto, tiveram essas “ações” um papel destacado no desenvolvimento do estudo da tutela de urgência no direito processual brasilei ro e na remodelação do tratamento legislativo da matéria.” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 7ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012. p. 477).




7 Cássio Scarpinella Bueno é peremptório ao apontar a importância da prova dos fatos constitutivos do direito: “Esse pressuposto é indicativo de que não basta ao requerente da tutela antecipada formular, retoricamente, seu pedido. A lei é clara quanto à necessidade de serem apresentadas provas, substratos materiais, do quanto alegado. Não basta falar (escrever); tem de demonstrar, mesmo que a prova não seja documental.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 39).




8 Nesse sentido, Marco Antonio Rodrigues e Rafael Calmon Rangel trazem mais elementos acerca da conduta abusiva e protelatória da parte: “Portanto, toda vez que esse sujeito se opuser injustificadamente à pretensão, tanto praticando atos processuais postulatórios – como a apreciação de peças defensivas vazias ou simplesmente repetitivas, por exemplo -, quanto atos materiais – como a retenção indevida de autos ou a retirada de autos da secretaria com seguidos pedidos de carga, por exemplo -, o outro poderá requerer ao juiz que antecipe alguns efeitos da tutela definitiva não com base em alguma situação de urgência ou de qualquer perigo de dano ou do risco ao resultado útil ao processo, mas sim com fundamento nessa situação circunstancial de haver um sujeito do processo se comportando de modo processualmente inadequado ao deixar de controverter seriamente suas alegações para, em vez disso, apresentar manifestações desprovidas de qualquer base legítima com o nítido propósito de atrasar a entrega da prestação jurisdicional definitiva.” (RODRIGUES, Marco Antonio; RANGEL, Rafael Calmon. A tutela da evidência como técnica de atuação judicial. Revista de Processo, vol. 271. ano 42. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, set. 2017. p. 262).




9 Sob a égide do Código anterior, Nelson Nery Júnior já cogitava do abuso do direito de defesa fora do processo: “Em tese, é admissível o pedido liminar fundado no inciso II, pois não despropositado o abuso do direito de defesa verificado fora do processo, quando há prova suficiente de que o réu fora, por exemplo, notificado várias vezes para cumprir a obrigação, tendo apresentado evasivas e respostas pedindo prazo para o adimplemento.” (NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª Ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 273).




10 O Tribunal de Justiça do Paraná já se manifestou a respeito da aplicação da tutela antecipada da evidência quando há direito incontroverso (hipótese cogitada na sistemática da tutela da evidência no CPC/73). No caso em questão, tratava-se de agravo de instrumento oriundo de uma ação ordinária de cobrança cumulada com indenização por danos morais, na qual se requereu a antecipação de tutela com base no art. 273, § 6º, do CPC: “(…) para o deferimento da tutela antecipada com fundamento no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, necessário tão somente que o pedido ou parte dele seja incontroverso. RECURSO PROVIDO.” (TJPR, AI 824669-7, 11ª Câmara Cível, Rel. Desembargadora Vilma Régia Ramos De Rezende, j. 25 jan. 2012). Em outro acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em agravo de instrumento interposto contra a decisão que havia concedido a antecipação de tutela, para que o réu pagasse à autora a quantia equivalente a dois salários-mínimos, mensalmente, em virtude de um atropelamento, se concluiu que “(…) para o deferimento do pedido de antecipação de tutela é mister que se esteja em face de elementos probatórios que evidenciem a veracidade do direito alegado, formando um juízo máximo e seguro de probabilidade à aceitação da proposição aviada e de que o provimento jurisdicional seja reversível caso uma nova decisão em sentido contrário seja sufragada no mesmo procedimento.” (TJMG, AI 17296-2000, 2ª Câmara Cível, Rel. Desembargador. Antonio Guerreiro Júnior, j. 11 mai. 2005).




11 A 2ª Turma do STJ apontou que a “natureza incontroversa do fato” (ausência de banho quente em presídio) ensejaria o deferimento de tutela provisória fundada na evidência, além da tutela de urgência, ambas sob a sistemática do CPC/15: “É incontroversa – por notória e confessada – a situação fática de fundo (inexistência de banho quente nos estabelecimentos prisionais do Estado de São Paulo). Assim, no presente processo, somente dois pontos jurídicos da decisão recorrida do Presidente do Tribunal de Justiça serão considerados (…). Em rigor, considerando-se a premissa irrefutável de inexistência de banho quente, caso se aplicasse a nova sistemática processual à demanda, a situação dos autos, em primeira instância, se encaixaria simultaneamente em tutela provisória de urgência(art. 300, diante de probabilidade do direito e de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo) e em tutela provisória de evidência (art. 311, I e IV, em face de manifesto propósito protelatório do réu e da não oposição de prova capaz de gerar dúvida razoável, o que bem demonstra a possibilidade de sobreposição e confluência in concretodas duas modalidades de tutela provisória.” (STJ, REsp 1.537.530/SP, 2ª Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 27 abr. 2017). A 2ª Seção do STJ também analisou a incidência da hipótese prevista no inciso IV do artigo 311 em sede de ação rescisória: “PROCESSO CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO PEDIDO INCIDENTAL DE TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA EM AÇÃO RESCISÓRIA QUE OBJETIVA A SUSPENSÃO DOS ATOS EXECUTÓRIOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA REFERENTE AO PENSIONAMENTO MENSAL DO RÉU. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS. 1. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo quando a petição foi instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável, o que não é a hipótese dos autos. 2. Agravo interno não provido.” (STJ, AgInt na AR 5.905/PR, 2ª Seção, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 22 fev. 2017). Apontando a possibilidade de concessão da tutela de evidência mesmo antes do advento do CPC/15, a 3ª Turma do STJ concluiu que “(…) o art. 647, parágrafo único, do novo CPC, nada mais fez do que disciplinar uma situação específica – antecipação de tutela em ação de inventário – que, a bem da verdade, já era suscetível de concessão, nas modalidades urgência e evidência, antes mesmo da entrada em vigor do novo diploma processual.” (STJ, REsp 1.738.656/RJ, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 3 dez. 2019).




12 Como explica Leonardo Greco “[o] mais importante princípio geral do processo judicial contemporâneo é o princípio do contraditório, que exprime na sua projeção processual o princípio político de regência das relações entre o Estado e os cidadãos que é o da participação democrática, segundo o qual ninguém deve ser atingido na sua esfera de interesses por um ato de autoridade sem ter tido a oportunidade de influir na elaboração dessa decisão. Toda a teoria geral do processo contemporânea se abebera nos influxos humanitários decorrentes desse princípio, que se encontra consagrado, sob as mais diversas fórmulas, nas principais constituições democráticas da nossa época, inclusive na Constituição brasilei ra, como uma garantia dos direitos fundamentais (art. 5°, inciso LV).” (GRECO, Leonardo. Em busca da verdade e da paridade de armas na jurisdição administrativa. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, nº 9, dezembro de 2006. p. 121).




13 RODRIGUES, Marco Antonio. A modificação do pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2014. p. 159.





15 A esse respeito explica Fredie Didier Jr., citando Leonardo Carneiro da Cunha (In A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil: uma análise comparativa entre o sistema português e o brasilei ro. Coimbra: Almedina, 2012. p. 61): “Essa dimensão substancial do contraditório impede a prolação da decisão surpresa; toda decisão submetida a julgamento deve passar antes pelo contraditório. Isso porque o “Estado democrático não se compraz com a ideia de atos repentinos, inesperados, de qualquer dos seus órgãos, mormente aqueles destinados à aplicação do Direito. A efetiva participação dos sujeitos processuais é medida que consagra o princípio democrático, cujos fundamentos são vetores hermenêuticos para aplicação das normas jurídicas.” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 17ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 79).




16 RODRIGUES, Marco Antonio. A modificação do pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2014. p. 161.




17 É interessante observar que, como pontua Humberto Dalla Bernardina de Pinho, na redação original do artigo 7º do CPC/15, o juiz deveria zelar pelo contraditório apenas em casos de hipossuficiência técnica, o que foi extirpado da sua versão final, denotando que o contraditório deve ser garantido indistintamente, a qualquer parte (PINHO, Dalla Bernardina de. Os princípios e as garantias fundamentais no Projeto de Código de Processo Civil: breves considerações acerca dos artigos 1º a 12 do PLS 166/10. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, vol. VI. p. 73).




18 GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. Revista dialética de direito processual: RDDP. São Paulo, Oliveira Rocha, 2003.




19 Essa seria a conhecida regra do juízo do mal maior e em um juízo do direito mais forte. Esse juízo do mal maior e do direito mais forte consiste em fazer uma comparação entre os riscos a que poderá estar exposta cada uma das partes em caso de concessão ou não da medida urgente (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 5ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, n. 241, pp. 347-348).




20 Fazendo coro às críticas, Guilherme Rizzo Amaral opina que, a despeito da previsão do parágrafo único do atrigo 311, “[n]ão ocorrendo o caráter urgente da medida – hipótese em que se estaria igualmente diante da tutela de urgência -, o juiz sempre deverá proporcionar o contraditório, com a oitiva do requerido para que produza alegações e provas em oposição àquelas produzidas pelo requerente. Não há razão lógica para a supressão do contraditório nesses casos, a despeito do que dispõe o referido dispositivo legal e o art. 9º, parágrafo único, II.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Alterações no novo CPC – o que mudou?: comentários por artigos e precedentes jurisprudenciais. 3ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 577).




21 Sobre esse respeito, “[n]o que tange à evidência proveniente de prova documental (CPC, artigo 311, II), descurou o legislador que mesmo aí as alegações de fato podem comportar múltiplas interpretações. Com frequência, o conteúdo documental atiça exegeses diversas, levando à instauração de litígios porque os contratantes alimentam impressões diferentes daquilo que reza o instrumento entabulado. Ademais, comumente documentos são impugnados por contraprovas que eliminam por completo sua força probante. Assim, se o direito não corre risco de lesão não se justifica a redução do contraditório, o que, per se, deslegitima a vulneração do contraditório prévio. O legislador tentou legitimar essa relativização do contraditório exigindo, além do lastro documental, a incidência de tese firmada em julgamentos de casos repetitivos ou súmula vinculante (CPC, artigo 311, II). Uma aposta fundada em rasa compreensão dos precedentes, como se portassem sentidos prontos e acabados. Transpõe-se da lei para os precedentes a parêmia in claris cessat interpretatio, como se deles emanasse clarividência explícita e inquestionável. Retorna-se à metafísica clássica (adaequatio intellectus et rei), onde as coisas possuíam essências, concepção ontológica da linguagem desafinada das tendências hodiernas do pensamento filosófico. É o erro de confundir texto e norma: uma iniquidade que caracteriza a ânsia, hoje infelizmente habitual, de eliminar a facticidade do mundo jurídico como receituário para obter resultados rápidos ou eficientes.” (STRECK, Lênio; DELFINO, Lúcio; CREVELIN, Diego. Tutela provisória e contraditório: uma evidente inconstitucionalidade. CONJUR, 15 mai. 2017, disponível em https://www.conjur.com.br/2017-mai-15/tutela-provisoria-contraditorio-evidente-inconstitucionalidade#sdfootnote9sym, acesso em 28/01/2025).




22 Há, entretanto, aqueles que questionem a conformidade da própria tutela da evidência com a Constituição: “É por tal razão que a tutela de evidência, ainda fiel ao despotismo jurisdicional e ao saber-poder jurisprudencial não acatam os fundamentos da constitucionalidade, pois permite a supressão de direitos fundamentais do processo, que se erigem imprescindíveis para a construção legitimada dos provimentos e precedentes jurídico-processuais.” (MUNDIM, Luís Gustavo Reis. Precedentes: da vinculação à democratização. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. p. 207). Em sentido análogo, indicando até mesmo que haveria autoritarismo sobre o instituto da tutela provisória: “A ausência de compreensão da tutela da lei e jurisdição como conteúdos da lei atuados no (e


pelo) procedimento processualizado (estrutura procedimental regida pelo devido processo) demonstra que as noções de tutela jurisdicional mediante tutelas diferenciadas, tutelas de urgência, tutelas cautelares, antecipadas ou de evidência, todas como atividade do juiz ‘boca da lei ‘ (e não atividade do juízo como órgão de atuação da lei pelo processo) ainda não estão descoladas dos ranços autoritários secularmente mantidos, funcionado o direito, lembrando a denúncia de Weber, como instrumento legal de dominação do Estado.” (DOURADO DE ANDRADE, Francisco Rabelo. Tutela de evidência, teoria da cognição e processualidade democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 167).




23 A esse respeito: “Como um dos motes do Código de Processo Civil de 2015 é promover celeridade e efetividade


aos procedimentos judiciais, o instituto da tutela de evidência foi concebido como um encurtamento das soluções das controvérsias jurídicas. Nesse viés eminentemente eficientista, a tutela de evidência propicia uma inversão do tempo processual, ao garantir que se antecipe a fruição do bem da vida pelo autor, de modo sumário e provisório, baseado em um direito evidente, sem nem ao menos possibilitar prévia oitiva da parte contrária.  Entretanto, a busca por uma solução rápida por parte da Jurisdição, por meio da tutela de evidência, acaba por violar o princípio do contraditório, gerando antinomias exógenas e endógenas. O instituto da tutela de evidência, na forma cogitada pela legislação processual, chancela o solipsismo do julgador, que, com supremacia e em nome da eficiência, suprime etapas procedimentais relevantes, como a probatória, e impede o diálogo formador da decisão (participada). O déficit democrático advindo do desrespeito ao contraditório torna-se tão destacado que ao mesmo tempo que o CPC autoriza a sua dispensa, na hipótese de tutela de evidência fundada em padrões decisórios, o texto legal ainda exige que este mesmo princípio seja observado quando da aplicação de precedentes. Desta feita, a concepção da tutela de evidência, no ordenamento jurídico pátrio, está fadada à inconstitucionalidade, sobretudo por extirpar do espaço procedimental o princípio institutivo do contraditório, a possibilidade de fala e influência das partes para a construção participada do ato decisório.” (SOUSA, Lorena Ribeiro de Carvalho; MUNDIM, Luís Gustavo Reis. Antinomias entre a tutela de evidência e o princípio do contraditório. Revista da Faculdade de Direot da FMP. Porto Alegre, v. 15, n. 2, 2020. p. 167).




24 Como pontuam Marco Antonio Rodrigues e Rafael Calmon Rangel, “[a] concessão de tutela da evidência em sentença é técnica de atuação jurisdicional que prestigia a duração razoável do processo e a eficiência, permitindo ao autor que usufrua dos efeitos da sentença desde logo, pela ausência de efeito suspensivo sobre a futura apelação, na forma do artigo 1.012, § 1º, V, do CPC. Ademais, não representa uma violação ao princípio dispositivo, considerando que o autor formulou o pedido de tutela definitiva e a tutela da evidência em tal caso tem por objetivo conferir-lhe efeitos imediatos da sentença. O contraditório, por seu turno, não é restringido, já que a prolação da sentença depende do respeito a tal direito fundamental.” (RODRIGUES, Marco Antonio; RANGEL, Rafael Calmon. A tutela da evidência como técnica de atuação judicial. Revista de Processo, vol. 271. ano 42. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, set. 2017. p. 275).




25 Corroborando esse entendimento e acrescentando que, por flexibilizar o contraditório com o diferimento para momento posterior, a tutela da evidência liminar deve ser conferida em hipóteses mais restritas: “Na tutela de evidência do art. 311 do CPC, é respeitado o devido processo legal e o contraditório é mantido, mas a parte que possui um direito evidente já pode usufruir o bem almejado, pois o risco de reversão da tutela, ao menos em teoria, é pequeno. Nesse sentido, quem suporta o ônus do tempo do processo é a parte contrária; existe, portanto, uma redistribuição do ônus do tempo. Observamos que a tutela imediata dos direitos evidentes, antes de infirmar o devido processo legal, confirma-o por não postergar a satisfação daquele que demonstra em juízo, de plano, a existência da pretensão que deduz. Dessa forma, a tutela jurisdicional deve ser adequada à situação jurídico-material e, assim como a execução é devida diante do título executivo, a tutela provisória e rápida é devida diante da evidência do direito (FUX, 1996, p. 319). Todavia, diferentemente do que ocorre com as tutelas de urgência, o legislador optou acertadamente por fixar as hipóteses em que o direito da parte se mostra evidente. Logo, o direito evidente não é uma norma aberta em que o juiz analisa cada caso para verificar a evidência do direito.” (TEIXEIRA, Sergio Soares; ALVES, Virgínia Colares Soares Figueiredo; MELO, Danilo Gomes de. Tutela provisória da evidência e sua aplicabilidade prática. RIL Brasília, ano 56 no 221, jan./mar. 2019. pp. 199-200).




26 “Em todas as hipóteses supramencionadas, a finalidade da técnica da evidência, a par de assegurar efetividade à tutela do direito, é justamente redistribuir o ônus do tempo no processo, que, por uma premissa lógica, é suportado pelo autor que está amparado por direito provável, verossímil, e ainda assim mesmo diante da inconsistência da defesa é obrigado a esperar a conclusão da fase instrutória para ter o seu direito reconhecido numa sentença de mérito que, via de regra, está sujeita à suspensão dos seus efeitos pela interposição do recurso de apelação.” (MAZINI, Paulo Guilherme. A tutela da evidência: perfil funcional e atuação do juiz à luz dos direitos fundamentais do processo. São Paulo: Almedina, 2020. p. 128).




27 STF, ADI 5492, Rel. Ministro Dias Toffoli.