Coworking e endereço virtual: Impacto no Direito Empresarial, Processual e outros
Data: 12/02/2025 11:51:10
Fonte: migalhas.com.br
Introdução
O avanço das relações empresariais e comerciais aliado à digitalização das atividades econômicas tem fomentado o uso de modelos inovadores de ocupação empresarial, como o coworking e o endereço virtual. Embora sejam soluções amplamente utilizadas no mercado, essas modalidades têm implicado diversas questões jurídicas, especialmente no que se refere ao Direito Empresarial, Tributário, Processual e Contratual.
O crescimento do modelo de trabalho remoto e das startups impulsionou a necessidade de espaços flexíveis e serviços que permitam um registro formal sem a necessidade de um endereço físico fixo. Entretanto, a utilização de coworking e endereços virtuais apresenta desafios regulatórios e pode impactar em questões como: responsabilidade patrimonial, execução de dívidas, tributação, fiscalização e contratos empresariais.
Este artigo examina, separadamente, a natureza jurídica e os impactos legais do coworking e do endereço virtual, para depois analisar suas repercussões nos diversos ramos do Direito.
O coworking e sua natureza jurídica
Conceito e evolução
O coworking é um modelo de compartilhamento de espaço físico onde diferentes profissionais e empresas utilizam infraestrutura comum para a realização de suas atividades. Ele oferece uma alternativa viável para pequenos empreendedores, freelancers e startups que buscam um local estruturado sem a necessidade de arcar com os custos de um escritório convencional.
Nos últimos anos, o modelo de coworking tem se consolidado, trazendo novos desafios regulatórios e contratuais. A natureza jurídica desses contratos tem sido amplamente debatida, uma vez que envolvem tanto a cessão de espaço físico quanto a prestação de serviços associados, como limpeza, internet, segurança e recepção.
Natureza jurídica
A jurisprudência tem reconhecido que os contratos de coworking não podem ser enquadrados automaticamente como locação de imóvel urbano regida pela lei do inquilinato (lei 8.245/91). O TJ/SP (apelação cível 1020542-45.2020.8.26.0576) esclareceu que contratos de coworking possuem natureza mista, abarcando tanto a cessão de espaço físico quanto a prestação de serviços, e, portanto, devem ser regidos pelo Código Civil (arts. 565 a 578 e 593 e seguintes).
Em outro precedente importante, o TJ/DF (Agravo de Instrumento 07230362920218070000), afastou a aplicação do CDC – Código de Defesa do Consumidor a contratos de coworking, considerando que os usuários desse serviço são geralmente empresas ou profissionais autônomos que utilizam o espaço como insumo produtivo, não caracterizando a vulnerabilidade necessária para a proteção consumerista.
O endereço virtual e sua utilização empresarial
Conceito e função
O endereço virtual, também conhecido como sede fiscal virtual, consiste na utilização de um domicílio comercial para fins de registro empresarial sem a necessidade de ocupação física efetiva. Este serviço é amplamente utilizado por empresas de tecnologia, startups e prestadores de serviços remotos.
Implicações jurídicas
Uma das principais questões envolvendo endereços virtuais é a possibilidade de manipulação da competência jurisdicional. No TJDFT (Acórdão 1925711 – 0714967-03.2024.8.07.0000), verificou-se que um consumidor utilizou um endereço de coworking em Brasília para justificar a eleição do foro, mesmo residindo em Goiânia, o Tribunal entendeu que tal prática configura abuso de direito, permitindo a declinação de ofício da competência territorial.
Além disso, a utilização de endereço virtual tem sido contestada em processos de execução fiscal e empresarial, sob o argumento de que muitas empresas se valem desse modelo para evitar citações ou dificultar a localização de seus bens.
Implicações jurídicas nas ações de execução
A utilização de coworking e endereços virtuais tem gerado questionamentos em ações de execução, especialmente quanto à possibilidade de citação e à responsabilização patrimonial.
O TJDFT (Acórdão 1735362 – 0741231-28.2022.8.07.0000), por exemplo, reafirmou que a citação realizada em um espaço compartilhado é válida desde que o local esteja registrado como sede da empresa. Da mesma forma, tribunais têm considerado que a mera existência de um endereço virtual não exime a empresa de suas obrigações fiscais e processuais, podendo ser alvo de execução no local indicado em seu contrato social.
Além disso, há a discussão sobre sucessão empresarial e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, especialmente em casos em que várias empresas compartilham o mesmo endereço sem atividades reais, levantando suspeitas de fraude ou confusão patrimonial.
Outras repercussões jurídicas do coworking e do endereço virtual
Impacto tributário
A utilização de endereços virtuais pode levantar questionamentos no que se refere à tributação. Fiscos estaduais e municipais podem entender que um negócio estabelecido em um coworking, mas operando efetivamente em outra localidade, estaria sujeito a impostos diferentes daqueles registrados. Essa problemática é especialmente relevante para empresas que precisam de inscrição estadual.
Responsabilidade contratual
Os contratos de coworking e de endereço virtual devem prever com clareza as limitações de responsabilidade do prestador do serviço em relação às atividades empresariais dos usuários, evitando complicações futuras, como a imposição de obrigações fiscais ou a presunção de confusão patrimonial.
Outras questões jurídicas relevantes
1. Proteção ao consumidor vs. Relações empresariais
Embora algumas decisões afastem a aplicação do CDC, questiona-se:
- Em que situações um contrato de coworking poderia ser considerado uma relação de consumo?
- Como evitar que prestadores de coworking e endereço virtual sejam enquadrados como fornecedores pelo CDC?
- Há uma distinção clara entre usuários empresariais e consumidores nesses contratos?
2. Regulação específica para endereços virtuais e coworkings
O Código Civil e a lei de locação não contemplam esses modelos, sendo necessário estabelecer:
- Definições claras para contratos de coworking e endereço virtual.
- Normas sobre transparência no registro empresarial.
- Limitações de responsabilidade para prestadores desses serviços.
3. Obrigações tributárias e questionamentos fiscais
A tributação de empresas com endereço virtual gera dúvidas sobre:
- A legalidade de declarar um endereço virtual quando as atividades ocorrem em outro local.
- Possíveis problemas com fiscalização estadual e municipal.
- Necessidade de ajuste na legislação tributária para essas situações.
Conclusão
A análise da jurisprudência revela que o entendimento acerca do coworking e do endereço virtual ainda está em formação no Poder Judiciário, sendo interpretado de maneiras diversas a depender do contexto processual em que é invocado. A jurisprudência do STJ demonstra que os julgadores avaliam essas figuras de forma bastante particularizada, sem um entendimento consolidado que forneça previsibilidade aos operadores do Direito.
No REsp 1.984.277/DF, a Quarta turma do STJ reconheceu que a pandemia impactou severamente a atividade de coworking, levando à necessidade de revisão dos contratos sob a ótica da teoria da imprevisão (art. 317 do CC) e da onerosidade excessiva (art. 478 do CC). Por outro lado, no REsp 2.032.878/GO, a Terceira turma aplicou critérios semelhantes para contratos de shopping centers, equiparando os impactos do modelo de compartilhamento de espaço aos desafios enfrentados por lojistas durante a pandemia.
A questão da natureza jurídica dos contratos de coworking também segue sendo tratada de maneira casuística. Enquanto alguns tribunais entendem que se trata de um contrato atípico misto, combinando locação e prestação de serviços, outros aplicam critérios da lei do inquilinato (lei 8.245/91), gerando insegurança jurídica para as partes envolvidas. No TJ/SP (apelação cível 1020542-45.2020.8.26.0576), consolidou-se a tese de que o coworking não é regido pela lei do inquilinato, mas sim pelo Código Civil, entretanto, essa compreensão ainda não é unânime nos tribunais.
Em relação ao endereço virtual, a falta de regulamentação específica tem levado a decisões divergentes sobre a sua validade como sede empresarial para fins de execução e citação. No acórdão 1735362 (TJDFT), reconheceu-se que a citação em coworking é válida se o endereço constar no contrato social, mas isso não impede que credores tentem questionar a localização efetiva da empresa em execuções fiscais e cíveis.
Ainda, a utilização abusiva de endereços virtuais tem levado tribunais a identificarem práticas fraudulentas para evasão fiscal ou blindagem patrimonial. No TJDFT (acórdão 1925711 – 0714967-03.2024.8.07.0000), ficou evidente que a manipulação da competência territorial com o uso de coworkings pode ser considerada abuso de direito, justificando a correção da competência de ofício pelo juízo.
Diante desse cenário, a ausência de uma regulamentação específica gera insegurança para empresas, credores e o próprio Poder Judiciário, que precisa decidir com base em interpretações doutrinárias e analogias com institutos similares. A pluralidade de decisões sugere a necessidade de avanço legislativo para incluir no Código Civil normas específicas que disciplinem:
I – A natureza jurídica dos contratos de coworking, evitando sua classificação equivocada como locação de imóveis.
II – A validade jurídica do endereço virtual como domicílio empresarial, definindo critérios para sua aceitação em registros públicos e execuções fiscais.
III – A limitação da responsabilidade dos prestadores de serviço de coworking e endereço virtual, evitando confusão patrimonial ou sucessão empresarial indevida.
IV – A transparência na utilização desses serviços, impedindo a manipulação de competências territoriais e fiscalização inadequada por parte do Estado.
Em conclusão, a evolução das dinâmicas empresariais exige um regramento mais preciso para evitar interpretações divergentes e garantir segurança jurídica tanto para empresas que utilizam coworkings e endereços virtuais quanto para credores, fisco e órgãos de fiscalização. O debate sobre a modernização legislativa e a padronização jurisprudencial se faz essencial para equilibrar flexibilidade econômica e proteção jurídica, garantindo um ambiente de negócios mais seguro e previsível.
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1 Jurisprudência – STJ
REsp 1.984.277/DF, Quarta turma, DJe 9/9/22.
REsp 2.032.878/GO, Terceira turma, DJe 20/4/23.
REsp 2070354/SP, Terceira turma, DJe 26/6/23.
AgInt no REsp 1726592-MT.
REsp 1537996-DF.
REsp 1338010-SP.
REsp 2001086-MT.
AgRg no AREsp 71538-SP.
AgInt no AREsp 1841748-DF.
AgInt no AREsp 555083-SP.
REsp 938979-DF.
REsp 773927-MG.
1.1 TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Acórdão 1925711 – 0714967-03.2024.8.07.0000.
Acórdão 1735362 – 0741231-28.2022.8.07.0000.
Acórdão 1677569 – 0735995-95.2022.8.07.0000.
1.2 TJ/SP – Tribunal de Justiça de São Paulo
Apelação Cível 1020542-45.2020.8.26.0576, 31ª câmara de Direito Privado.
Apelação 1111331-68.2017.8.26.0100, 27ª câmara de Direito Privado.
Agravo de Instrumento 2145603-75.2020.8.26.0000, 29ª câmara de Direito Privado.
Agravo de Instrumento 2087125-74.2020.8.26.0000, 26ª câmara de Direito Privado.
1.3 TJ/PR – Tribunal de Justiça do Paraná
Apelação 0003801-10.2017.8.16.0194, 11ª câmara Cível.
2 Legislação – Código Civil (lei 10.406/02)
Art. 317 – Teoria da imprevisão.
Art. 421 – Liberdade contratual.
Art. 421-A – Pacta sunt servanda.
Art. 478 – Teoria da onerosidade excessiva.
Art. 565 a 578 – Contrato de locação e prestação de serviços.
Art. 593 – Contratos atípicos.
2.1 Código de Processo Civil (lei 13.105/15)
Art. 1.022, II – Fundamentação das decisões judiciais.
2.2 Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90)
Art. 2º e 3º – Conceito de consumidor e fornecedor.
2.3 Lei do inquilinato (lei 8.245/91)
Regras sobre locação de imóveis urbanos.
2.4 Lei da liberdade econômica (lei 13.874/19)
Regras sobre desburocratização de atividades empresariais.
2.5 Lei 13.979/20
Medidas emergenciais em razão da pandemia de Covid-19.