Livro aborda desigualdade de gênero no Judiciário do Paraná
Data: 20/02/2025 16:23:20
Fonte: folhadelondrina.com.br
Magistrada há 20 anos, mãe e juíza titular na 1ª Vara Cível e da Fazenda Pública em Cambé (Região Metropolitana de Londrina), Luciene Vizzotto transformou em livro sua dissertação de mestrado sobre as desigualdades de gênero no âmbito do Poder Judiciário no Paraná. Intitulado “Equidade na Toga”, ela desenvolveu uma pesquisa com magistradas do TJPR (Tribunal de Justiça do Paraná) para apontar os desafios, as barreiras e as conquistas das mulheres no Judiciário, como o fato de a desembargadora Lidia Maejima ser a primeira mulher em 133 anos a assumir a presidência do Poder Judiciário no Paraná.
Disponível tanto no formato físico quanto digital, o lançamento do livro é nesta sexta-feira (21), na Livraria da Vila, no Aurora Shopping, e a obra já pode ser adquirida no site da Editora Thoth. Em entrevista à FOLHA, a autora afirmou que a ideia de transformar a dissertação em livro veio da falta de materiais que tratem do assunto no país, assim como para servir de inspiração para que outras mulheres pesquisem sobre o tema.
Vizzotto afirma que a obra não é uma crítica ao TJPR, mas um material que aborda um problema que é institucionalizado e que já foi reconhecido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Segundo ela, o TJPR vem buscando cumprir as resoluções, inclusive com a criação de uma Comissão de Igualdade e Gênero e com cursos que tratem do assunto. “Estamos avançando e o Tribunal do Paraná está tentando avançar nessa pauta. Nós estamos no caminho e eu estou bem esperançosa com essa nova gestão com uma mulher presidente”, afirma.
Assim como em outras tantas profissões, as mulheres que seguem carreira na magistratura enfrentam mais desafios do que os homens? Quais os principais obstáculos e dificuldades?
São vários! O que eu verifiquei na minha pesquisa é que a estrutura do trabalho foi feita baseada no gênero masculino, principalmente as estruturas nos espaços de poder, tanto no Judiciário quanto no Legislativo e Executivo. A estrutura do trabalho foi toda construída por homens, então ela foi toda pensada nos homens.
Aos poucos, as mulheres foram conquistando o seu espaço, que ainda é pequeno, e a gente teve que se adaptar a essa estrutura. Então são várias barreiras que vão desde o ingresso na magistratura. Na minha trajetória, eu percebi que a minha vida não era igual à do meu colega que passou junto comigo. Eu tive várias barreiras.
Eu tive que reafirmar que aquele espaço também pertencia a mim. Você tem que se reafirmar toda hora que você também está ali, que você é uma autoridade do Poder Judiciário e até mesmo enfrentar barreiras como a questão da maternidade, da menstruação e da menopausa. São coisas que não vêm à tona para o homem porque eles não veem como isso influencia na nossa vida, que faz parte do nosso gênero feminino. A questão também de ser interrompida diversas vezes, de as suas ideias não serem levadas a sério e de que qualquer postura que você adote, você vai ser criticada.
Então você vai vendo que a nossa trajetória é complicada, de você não poder optar por casar e ter filhos porque acaba deixando de estudar, de participar de cursos de aperfeiçoamento, então não consegue se promover para subir na carreira. Não consegue viajar a trabalho, então vai perdendo o espaço porque não tem essa disponibilidade de trabalhar horas e horas a fio. Ao contrário do homem que é casado, que tem um apoio total da mulher e é até comprovado cientificamente que o magistrado que tem um apoio consegue alavancar na carreira muito mais rápido do que às vezes o outro que é solteiro.
Como parte do trabalho, a sra. fez uma pesquisa com as magistradas que atuam no TJPR (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná). Apesar de elas representarem quase 60% da força de trabalho, ainda ocupam uma parte muito pequena nos cargos mais altos, ficando na casa de pouco mais de 14%. Isso é um dado que assusta?
É um dado que não me assustou porque como eu estou há 20 anos na magistratura, eu sempre me questionei do porquê de não ter mulheres nos altos cargos, na cúpula diretiva do Poder Judiciário. Eu fiz um recorte do Tribunal de Justiça do Paraná porque eu não ia ter braço para poder investigar todos os tribunais, mas se a gente pegar os dados do CNJ e da própria AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) são quase os mesmos do Paraná. A gente vê que esses cargos do alto escalão sempre são destinados a homens e no Paraná isso não é diferente.
Na pesquisa, 47% das mulheres disseram que passaram por algum tipo de situação constrangedora durante as bancas avaliadoras, inclusive com menções à aparência e à maternidade. A sra., que é magistrada há duas décadas, entende que esse cenário afasta as mulheres do interesse por essa carreira?
Nos anos 2000 houve um boom em que muitas mulheres resolveram ingressar na carreira da magistratura e, com isso, houve um aumento significativo da participação feminina como juízas de primeiro grau. Mas, hoje em dia, os dados estão mostrando que as mulheres não estão tentando mais ingressar na magistratura e que houve uma queda brusca na participação feminina em concursos.
Apesar disso, a gente ainda não tem pesquisa para saber o porquê de essas mulheres estarem desistindo da carreira na magistratura, que não é tão atraente para as mulheres como foi nos anos 2000.
É comprovado por números e por pesquisas que houve uma queda de ingresso de mulheres na magistratura, mas as causas estão sendo pesquisadas porque é um dado que a gente teve acesso em 2023, então a gente está tentando entender por que houve essa queda na carreira, se foi facultativa ou se algo está barrando o ingresso.
Neste mês, o TJPR empossou a primeira presidente mulher em 133 anos. Esse é um passo importante? É uma conquista construída a muitas mãos?
Eu acho que é um passo muito importante. Dos 130 desembargadores no Paraná, apenas 15% são mulheres, então eles votarem em uma mulher já é um passo importante porque eles viram que era o momento de ter uma mulher presidente. Isso demonstra que a gente está caminhando porque atrás dela podem vir outras.
Mas, claro, é uma pressão muito grande em ter uma mulher presidente por ser a primeira. Quando a mulher está em um espaço de poder em que ela é minoria, em qualquer descuido é muito criticada. A gente tem que estar sempre sendo excelência, mas já tivemos vários homens na presidência do tribunal e em cargos de poder no nosso país que foram péssimos e que, nem por isso, falam que o homem não pode ocupar esses espaços. A gente teve a primeira mulher na presidência do país e que caiu rapidamente porque as mulheres sofrem muita violência política quando estão no espaço político.
A gente vê que é um avanço ter uma primeira mulher, só que ela precisa estar com muito apoio nosso, de todas as mulheres, para que ela não sinta essa pressão. Todos nós somos seres humanos e vamos acertar e vamos errar. A gente também teve a primeira corregedora na Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também, que é a desembargadora Ana Lúcia Lourenço.
Eu acho legal que foi por voto e a maioria dos votos que compõe esse colégio eleitoral são de homens, e eles sentiram a necessidade de votar em uma mulher. Então eu acho que, bem ou mal, aquela sementinha está sendo plantada, por pressão ou não, mas houve essa necessidade de ter mulheres agora na cúpula diretiva.
A sra. também menciona algumas medidas importantes que foram tomadas de 2018 para cá, quais são as principais? A gente pode dizer que o caminho para a equidade entre homens e mulheres ainda é longo?
O CNJ, desde 2018, vem discutindo o assunto e pôs em voga a questão da paridade e, aos poucos, os tribunais vão tentando se adequar, tanto que agora nós temos a primeira presidente eleita. Agora, a gente também tem uma lista exclusiva de desembargadoras para que só mulheres possam concorrer.
Eu até fui uma das mulheres que ajudaram a construir essa resolução do CNJ. Eu participo de um grupo de pesquisa em Brasília de magistradas e a gente ajudou o CNJ com pesquisas e a minutar essa resolução para que não tenha disparidades de gênero nos cargos da cúpula diretiva.
Ainda há muito o que se alcançar, mas aos poucos nós estamos andando, antes não andava. Hoje eu posso dizer que tenho esperança de que as coisas melhorem porque a gente está conseguindo caminhar.
SERVIÇO
Lançamento do livro “Equidade na Toga”, da juíza Luciene Vizzotto
Quando: 21 de fevereiro, às 19 horas
Onde: Livraria da Vila, no Aurora Shopping
Editora: Thoth