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Ausência de representatividade expõe mulheres indígenas à vulnerabilidade de gênero em MS | Jornal Midiamax

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Data: 03/03/2025 09:36:06

Fonte: midiamax.uol.com.br

Marcadas por uma história de colonização, violência e perseguição, as mulheres indígenas se erguem resilientes contra dificuldades impostas por uma sociedade que insiste em invisibilizá-las

Juliana Domingues tinha 28 anos quando foi brutalmente assassinada por seu companheiro na comunidade indígena Nhu Porã, a 346 quilômetros de , na noite de 18 de fevereiro. Bastou uma discussão entre o casal para a vítima ter sua vida ceifada na frente de seu filho, tornando-se a 3ª vítima de em 2025, em .

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Casos como este, ou qualquer outro que envolva violência de gênero, escancaram um sistema falho, que propicia um cenário no qual a vida de uma mulher é banalizada e reduzida à mera estatística de um crime brutal.


Evidenciam, também, a existência de uma sociedade machista que, independentemente da idade da vítima, procurará saber ‘o que ela fez’ para o agressor chegar ao ponto ‘de cometer um erro’.

Enquanto pensamentos assim reverberam, falhamos como sociedade? Se a realidade é cruel para mulheres em contexto urbano, por exemplo, consegue imaginar o quão terrível é para as mulheres indígenas no país que insiste em inferiorizar sua existência, mesmo que elas morem na cidade?

O Jornal Midiamax publica a partir de hoje, 3 de março, uma série de reportagens especiais em alusão ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. Nesta, que inaugura a série, aborda-se a luta pelos direitos da mulher indígena nas comunidades e aldeias urbanas de Mato Grosso do Sul.

Violência de gênero

Mato Grosso do Sul contém a terceira maior população indígena do Brasil. Conforme o Censo de 2022, o Estado tem 116.346 mil habitantes indígenas. Desse total, 47.812 vivem fora do território, enquanto 68.534 mil vivem em terras indígenas. Dessa parcela, 33.934 são mulheres, pouco menos da metade (49,41%).

Mas as estatísticas também ganham tom nefasto. Conforme o Instituto Igarapé, entre 2000 e 2020, os índices de feminicídio de mulheres indígenas subiram para 167% apenas em Mato Grosso do Sul. Já os casos de violência cresceram 495% em um período de até seis anos, isso sem considerar a subnotificação dos crimes.

Esse cenário ocorre por dois grandes motivos: primeiramente, o Brasil ainda não possui políticas públicas efetivas ou diferenciadas suficientes para o acolhimento e a proteção das mulheres indígenas vítimas da violência de gênero. Em segundo lugar, não existem profissionais capacitados para acolher essas mulheres, entendendo e respeitando suas especificidades culturais.

Efetividade das políticas públicas

Val Eloy é uma liderança indígena e representante da Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade) em Campo Grande. Em 2011, tornou-se cacique em Campo Grande, quando já havia projetos e debates acerca da construção da Casa da Mulher Brasileira. Dez anos de sua inauguração passaram, e ela ainda não vê medidas efetivas sendo propostas para atendimento das mulheres, estejam elas na cidade, área rural ou aldeias.

Naquele áudio da Vanessa Ricarte, tem uma fala assim: ‘se eu, que tenho instrução e escolaridade, fui tratada desse jeito, imagina uma mulher em situação de vulnerabilidade?’ Eu me coloco neste lugar também enquanto mulher indígena. Instituições como a Casa da Mulher Brasileira precisam ser estruturadas para as mulheres indígenas, precisam saber que nós temos as nossas especificidades. Por isso, é necessário haver mulheres capacitadas”, explica.

A líder acrescenta que existem inúmeras mulheres indígenas formadas em Direito, Medicina, Psicologia e , por exemplo. O que falta, portanto, é levar essas profissionais para dentro das instituições em busca de efetividade das políticas públicas.

“Precisamos chegar até estes lugares para que nossas culturas sejam respeitadas. Afinal, somos diferentes. Somos vários povos, temos várias culturas e tradições diferentes. Nossas especificidades devem ser consideradas”, acrescenta.

Val Eloy, representante da Anmiga (Madu Livramento, Jornal Midiamax)

Ausência de representantes nas instituições

Essa ausência de representantes gera outro problema: a subnotificação dos crimes, principalmente dentro dos territórios. Segundo Val, quando não há profissionais efetivamente capacitadas, que entendem os medos, inseguranças e cultura de uma mulher indígena, a vítima tende a não pedir ajuda.

“Nós, povos indígenas, falamos muito sobre a importância dos seminários e da amplitude em atendimentos, até porque a gente reconhece esses gargalos porque somos indígenas e vivemos isso na pele. Não adianta ir até um lugar e colocar 10, 20 mulheres não indígenas para atender uma indígena. Vocês vão falar, e ela não vai conseguir entender”, pontua.

Essa situação, em um contexto de território, a depender do caso, funciona até melhor, pontua Val. Isso porque, graças às representantes que hoje ocupam um lugar político e de resistência, existem unidades de atendimento às mulheres indígenas.

“Nas nossas comunidades, existem os agentes comunitários que conversam com essas mulheres, que atendem essas mulheres. Aquelas que têm mais entendimento buscam o seu direito. Por exemplo, a saúde, no contexto urbano para os povos urbanos, precisa melhorar muito. Na aldeia já conseguimos fazer funcionar mais, porque dentro do nosso território as próprias lideranças já colocaram funcionários capacitados para aquela área, o que nos garante mais visibilidade. Na cidade, não é assim”, lamenta.

Acolhimento nos territórios

A ausência de pessoas capacitadas no atendimento às mulheres indígenas também escacara outro gargalo importante: falta de informação capaz de ajudar essas mulheres a saírem de um contexto de violência.

Comentando sobre o caso de Juliana Domingues, Val Eloy pontua que muitas vezes as mulheres, em contexto de território, não recebem as informações necessárias para sair de um relacionamento abusivo. Muitas não sabem identificar os sinais, muito menos, como solicitar ajuda a quem possa garantir sua integridade.

Isso, no entanto, também está relacionado a falta de mulheres indígenas ocupando espaços no Poder.

“A gente observa que ações e orientações não chegam aos territórios. Este é um dos motivos para a existência da Anmiga, que está presente em todos os estados. A gente trabalha com formações, seminários e rodas de conversa. Nós atendemos as especificidades dessas mulheres, respeitando sua história, sua etnia”.

Mulheres indígenas no poder

É claro que, além de mais ações efetivas pensadas para essa população, termos mais representantes indígenas no poder pode, enfim, trazer luz às pautas esquecidas por tantos. A caminhada é longa e requer o enfrentamento de um machismo enraizado em nossa sociedade.

“Vim do território para o contexto urbano e tiro como exemplo a minha vinda para o movimento indígena. A gente sempre soube que nós, mulheres indígenas, estávamos participando da política interna do nosso povo, mas nunca tínhamos poder de fala”, lembra.

Nascida e criada em território, foi em sua primeira vinda à Campo Grande que Val soube que podia muito mais pelo seu povo.

“Nosso povo ainda era muito resistente ter mulheres à frente. Então, a gente foi conquistando esse espaço ao decorrer do tempo, com muito diálogo, com muita resistência também, mostrando para as nossas lideranças que nós podíamos caminhar ali com eles, fazer a defesa dos nossos direitos lado a lado”, conta.

(Madu Livramento, Jornal Midiamax)

Resistência contra o patriarcado

Simone Eloy, liderança em comunidade de , concorda. Para ela, por muitos anos as mulheres indígenas ficaram invisíveis dentro de seu próprio território. O fato de tantas mulheres estarem despontando na política do país, trazendo mudanças reais para as comunidades, está inteiramente relacionado ao enfrentamento e à resistência.

“Isso vem de um sistema patriarcal imposto na cultura dos povos indígenas. Nós, mulheres indígenas, temos conseguido quebrar esse paradigma, avançando continuamente, seja dentro do território, seja nas esferas de poderes. Claro que o machismo existe, mas estamos conseguindo mostrar que somos capazes de tomar decisões e espaços”.

Marcadas por uma história de colonização, violência e perseguição, as mulheres indígenas se erguem resilientes contra dificuldades impostas por uma sociedade que insiste em invisibilizá-las. Suas pautas vão além da busca por respeito e igualdade, são por acessos a direitos básicos que já deveriam ter sido conquistados: a luta pelo acesso à saúde, educação e garantia de seus territórios, espaços fundamentais para a preservação de suas culturas.

Compreender a jornada e interesses destas mulheres é contribuir para o aprimoramento e eficácia de políticas públicas que existem, mas não as atendem velozmente. Se há mortes e direitos violados, é nossa responsabilidade, enquanto sociedade, cobrar e colaborar para que lacunas antigas, enfim, sejam fechadas. Para que isso ocorra, precisamos abrir nossos olhos para a multiplicidade de realidades, culturas, vivências e claro, de privilégios.

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