Produções verdes no cinema: como Hollywood ainda contribui pouco para a transição energética
Data: 05/03/2025 12:19:55
Fonte: theconversation.com
Quem vai ao cinema assistir às produções premiadas da indústria audiovisual (desde pequenos filmes independentes, como o vencedor do Oscar 2025 de Melhor Filme, “Anora”, a grandes produções como “Duna: Parte 2”, orçado em US$ 200 milhões, dificilmente pensa no tamanho da pegada de carbono gerada por esses filmes. Começando pela ideia inicial do projeto, chegando ao produto final e até mesmo à sua distribuição e posterior campanha de divulgação (que pode, por exemplo, envolver muitas viagens de avião).
Tal pegada é elaborada a partir da contabilização da quantidade de gases de efeito estufa (GEE) emitida ao longo de toda a produção (mais especificamente o dióxido de carbono – CO2), e que pode ser dividida em três escopos, de acordo com o Protocolo GHG, uma das ferramentas mais conhecidas.
Em média uma grande produção gera cerca de 33 toneladas métricas (Mt) de CO2 equivalente para cada dia de filmagem, conforme dados de 2021. E, de acordo com a indústria, geralmente, quanto maior o orçamento e o tamanho da produção, maiores as emissões, indicando uma relação direta entre custo e impacto ambiental.
Isso é um exemplo prático de como não existe ação humana que não resulte em algum tipo de impacto negativo ao meio ambiente. Mas é a magnitude dos danos o que verdadeiramente preocupa, uma vez que isso pode ser a diferença para a própria manutenção da vida na Terra, conforme os níveis de CO2 aumentam na atmosfera terrestre e causam extremos de temperatura, ultrapassando a atual meta de 1,5 °C.
Surgindo no início do século 20, Hollywood é o centro da indústria do entretenimento (cinematográfica e de televisão) norte-americana. Porém, por mais que alguns poucos stakeholders tenham demonstrado certa preocupação com a questão da sustentabilidade, pode-se dizer que, comparado com o interesse pelo lucro e com a quantidade de títulos lançados anualmente (na ordem das centenas), essa discussão ainda está engatinhando.
Política energética de Trump não estimulará produçÕes verdes
Em um país onde os hábitos de consumo da população necessitam de 5 planetas para suprir suas demandas de recursos naturais anualmente, o que se tem feito em termos de mudanças de mentalidade no setor pode ser considerado pouco.
Para piorar, com o retorno de Donald Trump à presidência do país, ocorre um retrocesso nítido em relação à política de transição energética estadunidense, que afeta toda a cadeia produtiva do setor (direta e indiretamente). Como exemplo entre os decretos assinados logo nos primeiros dias de seu segundo mandato, podemos citar a saída do Acordo de Paris, incentivando exploração de petróleo, ao invés da geração de energias renováveis, e a liberação da fabricação de canudos plásticos, entre outros.
Um verdadeiro desserviço para a política internacional e o combate à poluição global. Não custa lembrar que a emergência climática é real e atinge a todos, pobres e ricos. Basta mencionar o último incêndio na região de Los Angeles, causado pelos já conhecidos ventos quentes e secos regionais, mas que têm se intensificado nos últimos anos, gerando não só danos materiais, mas à saúde da população.
Movimento por redução de emissões no cinema é antigo
O movimento para uma “produção verde” não é novo, mas ganhou força nos últimos anos. Relatórios como os publicados pela albert, organização britânica e pelo Sindicato de Produtores da América e a Aliança de Produções Sustentáveis, que envolve os maiores estúdios (entre outras iniciativas menores e mais localizadas), contribuíram para um levantamento nas medições de emissões de GEE no setor. A ideia é que eles servissem como benchmark para o futuro. No entanto, além de considerarem poucas produções nas suas elaborações, não há atualização suficiente para que seja possível uma comparação em escala temporal.
Entre os pontos destacados pelos documentos, de forma geral, todos apontam que os maiores entraves na descarbonização das operações estão relacionados principalmente ao consumo direto de combustíveis fósseis durante a produção (na filmagem em si, não tanto na pré nem pós-produção). Seja pelo uso de transporte aéreo (de pessoas ou equipamentos), além do terrestre, quando não é possível priorizar o uso de veículos eletrificados ou híbridos. Sem contar a climatização dos sets e trailers de toda equipe, e a eletricidade necessária para iluminação interna e externa (preferencialmente realizada por lâmpadas LED), que pode ser gerada por fontes de energia renovável (fotovoltaica) ao invés de geradores a combustão.
Desde então, têm se disponibilizado diversos guias, com checklist de práticas sustentáveis que podem ser seguidas pelas produções (PEACH), cursos de treinamento e capacitação, assim como ferramentastal qual o Relatório de Contabilidade Ambiental da Produção – PEAR (ou calculadora de pegada de carbono, oferecida por outras instituições também). Mas é importante ressaltar que tais ações/medidas são voluntárias por parte das produções. Resumindo: nada é feito obrigatoriamente.
O que leva a diversas perguntas: 1) Como é realizado o monitoramento dessas emissões, em relação ao planejamento inicial das produções?;. 2) E como é feita a compensação ambiental para a mitigação/reparação dessas emissões?; 3) Qual a economia total de custos nas produções que adotam essas medidas?; 4) Existe real contribuição por parte da mudança no estilo de vida dos atores e equipe contratados?; 5) Como essa comunicação é feita para o público no final?; 6) Os esforços do setor têm sido transparentes o suficiente? E outra mais…
No entanto, esse é um tema tão pouco discutido que uma pesquisa bibliográfica traz resultados irrisórios, para o tamanho do setor, conforme apontado por estudo de pesquisadores espanhóis em 2021 “”). Trabalhos científicos sobre o assunto tratam mais sobre o entendimento e a sensibilização do público sobre o tema “mudanças climáticas” que de como a produção verde vem sendo realizada. Um artigo de 2023 comprovou o que já era esperado, sobre a relação entre consumo de energia e emissões de carbono do setor, ao mesmo tempo em que critica a falta de dados, para a construção de análises econométricas mais robustas. Outro estudo do mesmo ano reforça que a inovação ainda é pouco explorada nessa indústria, destacando o papel central da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para criação de novas tecnologias, e oportunidades no futuro.
Nesse sentido, é importante ressaltar que as unicamp.br/2023/12/ecossistema-de-inovacao-da-unicamp-beneficia-sociedade-e-impulsiona-economia-regional/”>universidades são consideradas grandes núcleos de inovação. Como, porém nada disso é obtido sem considerável investimento, os próprios estúdios podem enxergar nessa atividade de P&D (em colaboração com instituições de ensino superior e pesquisa) uma saída para gerar lucro enquanto combatem as mudanças climáticas (e dão o exemplo a outras indústrias).
Hollywood está na contramão das indústrias de outros países
Na contramão da tendência e em se tratando especificamente de ações a nível nacional, a China é o maior exemplo atual de liderança na corrida pela transição energética, conforme unicamp.br/edicao/720/china-pula-etapas-e-lidera-politicas-de-transicao-energetica/”>estudo realizado por pesquisadores da Unicamp. Responsabilidade essa à altura das suas emissões de CO2, e cujos resultados foram conseguidos por meio de planejamentos de médio e longo prazo.
Por último para mencionar outra nação com postura ambientalmente divergente dos Estados Unidos, está o Reino Unido. O terceiro relatório encomendado pela Unidade de Inteligência em Energia e Clima, e elaborado pela Confederação Britânica das Indústrias traz dados sobre as mudanças no setor de empregos, demonstrando claro crescimento de vagas consideradas “verdes”, mostrando que, ao contrário do que Trump prega, o desenvolvimento econômico e a preocupação com as mudanças climáticas podem andar juntas.
Finalizando, conforme os documentos e publicações mencionados, são várias as maneiras que a indústria pode prosperar rumo à transição energética, focada em eficiência e energias renováveis, majoritariamente. Uma abordagem holística sobre as responsabilidades socioambientais é crucial para o crescimento saudável do setor, atrelado à conscientização ambiental. Que pode indicar o trajeto a ser seguido por outras atividades do setor de entretenimento, como F1, grandes ligas do esporte, shows e festivais.
Com novos decretos sendo assinados diariamente por Trump, muito provavelmente não existirá subsídio para a transição energética. Mas, independente disso, não incentivá-la pode sair mais caro que não fazer nada. E é justamente por essa razão que o setor deve resistir e procurar alternativas sustentáveis em todas suas etapas de produção, em busca da almejada descarbonização. Bem como discutir e criar sobre o tema, na esperança que a visibilidade da pressão popular sobre a indústria traga mudanças sistemáticas e positivas.