Baixar Notícia
WhatsApp
Email

Salas de cinema conquistam estima do público pela beleza, entorno e qualidade técnica – Revista de Cinema

Acessar notícia original

Data: 17/04/2025 12:00:56

Fonte: revistadecinema.com.br


Foto: Cine Glauber Rocha, de Salvador © MRC

Por Maria do Rosário Caetano

Quais são os cinemas mais bonitos do Brasil?

Quais deles gozam da estima dos cinéfilos, que os elegeram como espaços privilegiados de lazer?

E do ponto de vista paisagístico? Quais deles foram erguidos próximos a verdadeiros cartões postais, como a Bahia de Todos os Santos e a Bahia da Guanabara? Que relação “os cinemas mais bonitos e/ou estimados” do Brasil mantêm com esse entorno privilegiado?

Edificações arquitetônicas antigas ou contemporâneas encantam e seduzem as retinas dos cinéfilos. Paisagens circundantes também conquistam corações e mentes. Mas, no frigir dos ovos, os cinéfilos de carteirinha querem ver os filmes de sua livre escolha em salas dotadas de projeção impecável. Quais são os cinemas alternativos mais bem equipados do país?

A Revista de CINEMA partiu de uma provocação: elegeu quatro salas como as mais bonitas do Brasil — o Cine Glauber Rocha, de Salvador, a Reserva Cultural, de Niterói, o Cine Brasília, da capital federal, e o CineSesc, na Rua Augusta paulistana.

Todas essas salas oferecem boas projeções. Em especial, o CineSesc, embora não tenha motivos especiais para orgulhar-se de sua vista externa. Seu entorno é semelhante ao de dezenas de ruas da megalópole paulistana. Em compensação, seus frequentadores o têm como a “melhor sala de São Paulo”. Um deles, o tradutor João Moris, cinéfilo e integrante do Coletivo Cinema Paradiso, pondera: “o CineSesc de SP não é só bonito”. E passa a enumerar as qualidades da sala mantida, há mais de cinco décadas, pelo Serviço Social do Comércio: “o CineSesc tem som excelente, projeção impecável, programação de qualidade, ambiente propício ao convívio, preços acessíveis, tanto no bar (separado da sala de projeção por vidro transparente) quanto no café do hall”. E se tais atributos fossem poucos, ele faz um vigoroso adendo: “os funcionários são super-educados, o que se traduz em respeito aos frequentadores”. Para concluir: “infelizmente, a maioria dos cinemas do circuito artístico de SP não chegam nem aos pés dele”. Entre os cinéfilos que concordam com Moris, está Lucila Meirelles: “além de ser muito bonito, o CineSesc conta com a melhor resolução de som – 7.2”.

O que faz do Cine Glauber Rocha um “point” privilegiado?

Primeiro, sua localização: ele é “abençoado” pela estátua de Castro Alves e oferece vista privilegiada da Baía de Todos os Santos. Quem subir até o topo do complexo de quatro salas – decoradas com painéis de Othon Bastos, o Corisco de “Deus e o Diabo”, Geraldo del Rey (o vaqueiro Manuel do mesmo filme), Paulo Autran (o Porfírio Diaz de “Terra em Transe”) e Tarcísio Meira, não o das telenovelas, mas o que atuou em “A Idade da Terra” – verá a Baía de Todos os Santos atlânticos, em toda a sua beleza.

Para completar, no pátio do Glauber Rocha foram colocadas estátua de corpo inteiro do poeta Gregório de Mattos, o Boca do Inferno, e bustos de Dodô e Osmar, criadores do Trio Elétrico. Os dois símbolos máximos do moderno carnaval da Bahia batizam os principais itinerários da folia soteropolitana.

Tanta beleza paisagística seria vã, se as quatro salas do Cine Glauber Rocha não contassem com boa projeção, boas cadeiras e boa programação. E com o festival Panorama Internacional Coisa de Cinema.

Cinema Reserva Cultural, de Niterói

Vista tão arrebatadora quanto a do cinema soteropolitano é ofertada ao frequentador do Cinema Reserva Cultural, de Niterói. O centro cultural que abriga o conjunto de salas integra o “Caminho de Niemeyer”, a maior atração turística da ex-capital fluminense.

Além de dar vistas para a badalada Baía da Guanabara, o Reserva niteroiense, criação de Oscar Niemeyer, premia o espectador com ótimos filmes. E oferece outro atrativo irresistível: um “disco voador” pousado num rochedo. Coisa para esotéricos fixados em ovnis? Não! O que vemos é o MAC (Museu de Arte Contemporânea), uma das mais belas criações nieméricas, que mantém diálogo com o mar, rochedos e outras belezas da natureza guanabarina.

O Cine Brasília, outra criação de Oscar Niemeyer, tem formato circular e ganhou fama por, também, sediar o mais longevo de nossos festivais, o de Brasília do Cinema Brasileiro, criado por Paulo Emilio Salles Gomes, em 1965. Cercado por superquadras ajardinadas de Lúcio Costa, a sala, de 606 lugares, conta com um hall envidraçado e espaçoso. E amplos estacionamentos.

Há décadas se ouve dizer que o Cine Brasília ganhará extensão na área de lazer que une as superquadras 107 e 106 Sul. Semanas atrás, o Correio Braziliense, o mais antigo jornal da cidade, anunciou que “o Cine Brasília será ampliado com anexo e Cinemateca”. A fonte da boa nova é o secretário de Cultura, Claudio Abrantes. Ele assegurou que “o edital  será publicado em breve”. O vencedor do concurso arquitetônico deverá apresentar, ainda, projeto de um Memorial, com sala de discussão e futura Cinemateca”. Que poderá abrigar o acervo do Cine Memória, herança da paixão arquivística do cineasta Vladimir Carvalho (1935-2014).

Cine Brasília

Cinéfilos brasileiros, oriundos de diversas cidades e regiões do país, não se mostraram refratários à restritiva escolha dos “quatro mais bonitos e atrativos cinemas brasileiros” — o baiano, o niteroiense, o brasilienses e o paulistano — mas chamam atenção para outras “salas belíssimas e muito amadas”, que fazem parte afetiva de suas vidas.

Caso dos cinemas São Luiz de Fortaleza e de Recife. Criados pelo exibidor Luiz Severiano Ribeiro, em louvor a seu padroeiro, São Luiz (Poissy, França, 1214 – Tunis, 1270), as duas salas, imensas, são testemunho da era de ouro da exibição cinematográfica. Somando sala principal e mezanino (ou “poleiro”), eles contam com mais de mil lugares (cada). Têm passado por reformas permanentes, pois foram erguidos muitas décadas atrás. As salas de hoje, erguidas em tempo de circuitos de shoppings centers, têm, em média, um terço do tamanho dos velhos cinemas dos anos 1940, 50 e 60. Os equipamentos de som e imagem são formatados para estas novas salas. Nem sempre trazem soluções definitivas para os velhos cinemas de rua. As belezas arquitetônicas do São Luiz cearense e do pernambucano, ninguém há de negar, saltam aos olhos.

De Londrina, no Paraná, chega o testemunho do cineasta Rodrigo Grota. Ele conta que “há dois cinemas de rua em nossa cidade, ambos com salas lindas: o Cine Teatro Ouro Verde e o Espaço Villa Rica”. O primeiro é uma criação de outro grande nome da arquitetura brasileira, o curitibano Vilanova Artigas (1915-1985).

Cine Teatro Ouro Verde, no Paraná

“O Ouro Verde” – rememora – “foi inaugurado em 1952, com capacidade para 800 espectadores, e até há pouco tempo era programado pelo crítico de cinema Carlos Eduardo Lourenço Jorge”. Já “o Espaço Villa Rica, inaugurado em 1968, fechado em 2001, foi  reaberto em 2022 com capacidade para 400 espectadores. Ambos estão ativos e com programação focada em filmes mais artísticos”.

Ainda em território paranaense, o destaque vai para o Cine Passeio, de Curitiba, com suas salas Ritz e Luz. A funcionária pública e cinéfila Marília Machado, ainda impactada pela beleza do Cine Glauber Rocha, que conheceu durante o festival Panorama Coisa de Cinema, destaca “a beleza arquitetônica, a programação, a cafeteria e os espaços de convivência do Cine Passeio”, atualmente, a principal sede do Olhar de Cinema (Festival Internacional de Cinema de Curitiba).

Além da harmoniosa beleza da edificação curitibana, há que se destacar a suavidade de suas cores e o uso que vem sendo feito do espaço. Quando o país se encheu de orgulho pela campanha de “Ainda Estou Aqui”, em busca do Oscar, e Fernando Torres deu seguidos shows de inteligência e bom humor em entrevistas a emissoras de TV estadunidenses e nas redes socais, o comando do Cine Passeio (liderado pelo cineasta Marcos “Estômago” Jorge) lançou mão de projeções em seu entorno. A musa de tais projeções foi, claro, a protagonista do filme, Fernanda Torres. Ela, que deu vida à “Eunice Paiva” de celulóide (sim, o filme de Walter Salles foi captado em película 35 milímetros). Até o ex-prefeito de Curitiba, Rafael Greca, em cuja gestão o Cine Passeio foi restaurado, entrou de cabeça nos festejos digitais-oscarizados.

Cine Passeio, de Curitiba

Milton do Prado, cineasta, montador e professor gaúcho, destaca, além do Cine São Luiz de Recife (e o poder encantatório de seus luminosos floridos), a beleza da Cinemateca Capitólio, de Porto Alegre. Além de excelente programação, a sala da capital gaúcha insere-se em belo prédio histórico, de estilo neoclássico. E costuma mobilizar centenas de espectadores, todos apaixonados pelo cinema e pelo conjunto arquitetônico.

Por falar em Cinemateca, não se pode esquecer os espaços de exibição da Cinemateca Brasileira. Para muitos cinéfilos, caso do cineasta Roberto Gervitz, de Vanda Serizawa e de Emília Gui, “a Sala Grande Otelo é uma das melhores do país”. Ela integra o espaço revitalizado do antigo Matadouro Municipal de São Paulo e conta com gigantesco hall, onde são expostos cartazes e, excepcionalmente, montadas barraquinhas e banquinhas de livros. Isto quando a sala sedia festivais como a Mostra de Cinema de São Paulo, o É Tudo Verdade e a Mostra de Cinema Russo e Soviético (nesse caso, com exposição de enormes matrioskas, aquelas bonecas russas encaixadas uma dentro da outra).

A Sala Oscarito, um pouco menor que a Grande Otelo, ainda não atingiu o padrão técnico desta. Mas em breve passará por reforma patrocinada (com dinheiro de renúncia fiscal) pela plataforma Netflix. A poderosa empresa, líder no segmento do streaming, liberou R$5 milhões para a requalificação do espaço.

No Rio de Janeiro, a Cinemateca do MAM, situada em dependências do Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo, passou por recente e ampla reforma. Quem compareceu aos festejos de reinauguração garante que a sala passou a oferecer imensa qualidade técnica.

A jornalista, cinéfila e chefe de cozinha Lúcia Leão vive em Brasília, mas faz questão de destacar a beleza de um novo conjunto de salas cariocas – o Cine José Wilker, homenagem ao ator e ex-presidente da Riofilme. Recém-implantado no Complexo Casas Casadas, no bairro de Laranjeiras, o Cine Wilker vem encantando a todos que o visitam. Lúcia as define: “as duas salas são pequeninas (66 lugares cada), confortáveis e com projeção de ótima qualidade”.

O cinéfilo Leandro Rocha Saraiva, professor da UFSCar, a Universidade Federal de São Carlos, escolhe as salas “mais bonitas” do país com outra régua. Aliás, das mais poderosas – o afeto. Ele, que estudou na ECA-USP e integrou o Coletivo Sinopse (com Manoel Rangel, Alfredo Manevy, Newton Cannito e Maurício Hirata), destaca seus cinemas preferidos: “as salas que permanecem no meu coração são o Bristol, de Porto Alegre, das décadas de 1980-1990, a antiga Salinha do CinUSP, na Universidade de São Paulo, e a Humberto Mauro, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte”. E deixa registrado: “principalmente quando a Humberto Mauro exibe os filmes do forum.doc”. Ele se refere ao famoso festival de documentários, responsável pela difusão, em nosso país, das ideias do pensador e documentarista Jean-Louis Comolli (1941-2022).

Se o parâmetro for o afeto, poucas salas poderão enfrentar o “visgo” do Cinema da Fundação (Joaquim Nabuco) no Recife. O distribuidor Ubirá Machado, da Descoloniza Filmes, ficou fascinado com a devoção dos frequentadores da sala recifense, implantada pelo então crítico e, hoje, cineasta consagrado, Kleber Mendonça Filho. Ela se transformou, nas últimas décadas, no mais atrativo dos cinemas de arte do Recife. Formou, com mais duas salas situadas em outros bairros, um circuito capaz de atrair, ao longo do ano, 60 mil espectadores.

A jornalista e documentarista Roberta Canuto, mineira radicada no Rio e diretora do longa-metragem “O Nascimento de H. Teixeira” (sobre Heloísa ex-Buarque de Hollanda), faz questão de chamar atenção dos cinéfilos brasileiros para o “belíssimo Cine-Theatro Brasil”, que ambienta, a cada novo ano as sessões inaugural e de encerramento do Festival CineBH, organizado por Raquel e Fernanda Hallak.

Adriana Copetti, especialista em comunicação e marketing, por sua vez, faz questão de convidar os brasileiros a conhecerem o Cine Cisne, de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, município de 77 mil habitantes. Ela assegura que a sala, independente de grandes circuitos, conta com boa cafeteria e programação variada.

Por fim, vale lembrar o que o jornalista Artur Xéxeo costumava lembrar em sua coluna em O Globo: “cinemas de arte exalam cheiro de café. Já os multiplexes, distantes das ruas e inseridos em templos de consumo, exalam o odor de pipoca”.