Derrotado nas urnas do Peru, Vargas Llosa foi mais sagaz nas letras do que na política
Data: 20/04/2025 00:05:30
Fonte: oglobo.globo.com
Mario Vargas Llosa passava férias no norte do Peru quando ouviu pelo rádio um discurso do presidente. Era julho de 1987, e Alan García anunciava a nacionalização de bancos e seguradoras. Liberal de carteirinha, o romancista escreveu um artigo exortando os compatriotas a protestarem contra a medida, que considerava um salto para a ruína econômica.
Publicado no jornal El Comercio, o texto deu origem a um manifesto, que logo se converteu num movimento e num partido. Em menos de um mês, o autor de “Conversa no Catedral” estava no alto de um palanque, discursando para 130 mil pessoas na Praça San Martín. Vieram outros comícios, e Vargas Llosa saiu dos cadernos de literatura para entrar nas páginas de política. A aventura durou até junho de 1990, quando ele perdeu a eleição presidencial para outro outsider: Alberto Fujimori.
Em “Peixe na Água”, Vargas Llosa relembra os três anos em que vestiu o figurino de candidato. Acostumado ao mundo das letras, ele narra seu choque inicial com o jogo bruto da política: “Ela é composta quase exclusivamente de manobras, intrigas, conspirações, pactos, paranoias, traições”. Em seguida, admite que não conseguiu transformar seu Movimiento Libertad numa legenda muito diferente. “Desde o início adquiriu os vícios dos outros partidos: caudilhismo, igrejinhas, caciquismo.”
O escritor, que antes via a literatura como “uma forma de resistência ao poder”, confessa sua falta de jeito para arengar as massas. “O fato de ter passado a vida sentado a uma escrivaninha inventando histórias não era o treinamento ideal para fundar um movimento político”, anota. “O bom orador político latino-americano está mais para toureiro ou cantor de rock do que para conferencista ou professor; sua comunicação com o público passa pelo instinto, a emoção, o sentimento, mais que pela inteligência”, justifica.
Ex-simpatizante do marxismo e da Revolução Cubana, Vargas Llosa se candidatou com um programa ultraliberal. Convertido ao ideário do mercado, prometeu privatizar todas as estatais, enxugar direitos trabalhistas, acabar com a gratuidade do ensino. Em fevereiro de 1990, quando liderava as pesquisas, foi a Brasília almoçar com Fernando Collor, a quem se derramou em elogios. Mais sagaz na literatura do que na política, o ficcionista não foi capaz de perceber onde estava se metendo.
Em alguns dos melhores trechos de “Peixe na Água”, lançado em 1993, Vargas Llosa reproduz diálogos com Patricia, sua ex-mulher. Ele dizia que havia se candidatado por “obrigação moral” e pelo desejo de “moralizar o país”. Ela apostava numa motivação menos heroica: “Foi a aventura, o fascínio de viver uma experiência cheia de excitação e risco. De escrever, na vida real, o grande romance”.
Derrotado no segundo turno, o escritor desistiu das urnas, mas não se afastou da política. Nos últimos anos de vida, relativizou as convicções democráticas e passou a flertar abertamente com a extrema direita. Endossou o chileno José Antonio Kast, admirador de Pinochet, e surpreendeu ao pedir votos para a peruana Keiko Fujimori, filha do ex-ditador. Em 2022, disse preferir a vitória de Jair Bolsonaro à volta de Lula no Brasil. Nos três casos, mostrou não dar sorte como cabo eleitoral.