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Empresas devem cobrar redução de custos e novos acordos comerciais para enfrentar tarifaço de Trump

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Data: 20/04/2025 03:07:51

Fonte: estadao.com.br

A guerra comercial iniciada pelo governo de Donald Trump traz incerteza para as empresas e gera apreensão. Setores produtivos brasileiros podem perder mercados, mas oportunidades também devem surgir. As empresas do País, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, têm algumas frentes de atuação diante desse cenário, como pleitear a redução de custos e a melhora do ambiente de negócios e defender o avanço de acordos comerciais com outras nações e blocos.

Trump mostra decretos com novas tarifas no dia 2 deste mês Foto: Abe McNatt/Casa Branca

“Como em todo processo de mudança – é clichê, mas é um fato –, há riscos e oportunidades”, diz o economista Rafael Cagnin, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “A identificação de oportunidades é um trabalho que está primeiro na esfera das empresas. Elas vão saber identificar exatamente a janela aberta dentro desse contexto. Elas conhecem seus mercados, os concorrentes e o diferencial competitivo deles.”

Um estudo publicado em março pelo Iedi já investigava possibilidades do Brasil diante da guerra tarifária entre EUA e China e identificava nove setores com potencial de expansão dentro do mercado norte-americano: aeronaves e espaçonaves; instrumentos óticos, fotográficos, cinematográficos e de medição; reatores nucleares, caldeiras, máquinas e aparelhos mecânicos; produtos químicos inorgânicos; produtos químicos orgânicos; máquinas e equipamentos elétricos; veículos exceto ferroviários; madeira e artigos de madeira; e artigos de ferro ou aço.

São setores que já exportam para os EUA, com vendas que representam valores importantes e produtos coincidentes com as exportações chinesas. Se importar da China passa a ser mais difícil devido às tarifas impostas por Trump, compradores americanos podem buscar produtos de outros países fornecedores e colocar fatias de mercado em disputa.

“Se você já vende para os Estados Unidos é porque tem condição, a despeito de todos os nossos problemas, de competir no mercado americano. São atividades capazes de mais rapidamente ocuparem o espaço com essa mudança da competitividade relativa que as tarifas vão introduzindo. Vai depender mais do produto do que do setor”, explica Rafael Cagnin.

No entanto, a conquista de mercado, alerta o diretor-executivo do Iedi, está longe de ser garantida. “Tem várias ponderações. Esses mercados podem não crescer ou podem encolher. Tudo vai depender de como a economia americana vai reagir. Não é automático e também depende da resposta da China.”

Questões que também pesam na disputa de mercado são as regras de contratos de fornecimento já firmados entre chineses e americanos e a própria capacidade brasileira de produção e entrega.

Outra oportunidade para o Brasil é a ampliação de exportações do agronegócio para a China, aponta Lucas Ferraz, coordenador do Centro de Estudos de Negócios Globais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com as retaliações impostas pelo governo chinês aos produtos dos Estados Unidos, o Brasil é um forte candidato a conquistar espaços que o agro americano tende a perder naquele mercado.

Reduzir custos para ser mais competitivo

Para o País ser mais competitivo e conquistar mercados ao longo do tempo, a receita não é nova, lembra Rafael Cagnin. Ela passa pela redução de custos internos como o dos impostos – a implementação da reforma tributária pode ser um avanço nesse sentido –, dos financiamentos e da energia, além do investimento na resolução de gargalos de infraestrutura para o escoamento de mercadorias.

“Para estabelecer uma relação comercial, entrar em cadeias produtivas, deslocando concorrentes que estavam lá há mais tempo, tem que estar ancorado em condições firmes de competitividade. A origem dessa condição de competitividade é essa lição de casa. É um contexto que coloca sobre a mesa de novo a importância de melhorarmos o nosso ambiente de negócios e reduzir os custos sistêmicos.”

Busca por mais acordos comerciais

Outra frente citada pelo diretor do Iedi no atual contexto é estabelecer relações comerciais com o maior número possível de países, fator também apontado por Lucas Ferraz, da FGV.

Com a experiência de quem foi secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia entre 2019 e 2022 e participou de negociações internacionais, Ferraz avalia que as empresas brasileiras devem se articular com o governo brasileiro para acelerar e diversificar acordos comerciais. “O governo ouve muito o setor privado para essas negociações.”

No atual governo Lula, o Brasil, lembra Ferraz, decidiu impor regras mais protecionistas no acordo entre Mercosul e União Europeia. Apesar disso, as resistências europeias ao acordo diminuem.

“Nesse cenário caótico, o apetite por novos acordos comerciais aumenta. A União Europeia aceitou o pacote em função do cenário geopolítico de maior incerteza e da percepção de que o bloco tem que diversificar seu comércio e depender menos da economia americana. A resistência da França e de países aliados a ela, com esse novo cenário global, tende a ser muito enfraquecida. E as chances do acordo ser aprovado são maiores.”

O Brasil, diz o ex-secretário de Comércio Exterior, tem poucos acordos comerciais, o que, por outro lado, representa um potencial de crescimento.

“O Brasil e o Mercosul têm negociações em andamento com o Canadá. O Brasil tem um acordo em negociação diretamente com o México, que está parado. São dois países que estão sofrendo pressões dos Estados Unidos. Sob o ponto de vista estratégico, é mais do que nunca o momento de o Brasil avançar nessas negociações”.

A Ásia é outra frente de potencial avanço citada por Ferraz, que enumera o acordo parado entre o Mercosul e a Coreia do Sul, a possibilidade de ampliação do acordo entre Mercosul e Índia, além de negociações com países que possuem mercados importantes como Japão e Vietnã.

Os riscos da ‘invasão chinesa’

Ferraz e Cagnin ressaltam que a guerra comercial entre EUA e China impõe ao Brasil riscos decorrentes do desvio de comércio, ou seja, dos novos destinos que a grande produção chinesa tomará em consequência das barreiras tarifárias americanas.

“Isso vai gerar um excesso de oferta no mercado mundial. E vai ser direcionado, não só para o Brasil, mas para outros países também”, diz Ferraz.

Os riscos têm duas pontas: o aumento da concorrência de produtos chineses no Brasil pode enfraquecer setores produtivos nacionais e a maior presença de mercadorias chinesas em outros países, como os da América Latina, pode se tornar um obstáculo às exportações brasileiras para esses parceiros.

Rafael Cagnin vê riscos para todos os setores industriais brasileiros. “É uma mudança profunda do comércio, com possibilidades de todos os lados e com desafio de todos os lados.” Ele cita como exemplo os “ramos de maior intensidade tecnológica, onde a China está cada vez mais forte”.

Isso exigirá, segundo o diretor do Iedi, um “monitoramento com lupa” por parte do Brasil. “É fundamental ter uma política e uma estratégia de comércio exterior extremamente atentas a possíveis concorrências desleais e uma reação célere para aplicar medidas antidumping e salvaguardas. Ou seja, uma política de comércio que seja ativa, que monitore esses desvios de comércio internacional para evitar uma concorrência desleal dentro do País”.

Ferraz tem uma visão mais cautelosa em relação à defesa comercial brasileira. “O Brasil já tem tarifas de importação muito altas para a média internacional e é um grande usuário de medidas antidumping. Então é preciso ter cautela e parcimônia na aplicação desses mecanismos de defesa comercial, ter muito critério porque isso em última instância compromete a produtividade e a competitividade da nossa indústria.”

Ferraz e Cagnin concordam, porém, que o Brasil deve se coordenar com outros países e defender a atuação da Organização Mundial do Comércio (OMC), ainda que ela precise de reformas e esteja enfraquecida pelos EUA.

“Quem está rompendo com o sistema multilateral de comércio são os Estados Unidos, mas tem muita gente também interessada nele. A manutenção do sistema vivo é de interesse estratégico do Brasil e dos países em desenvolvimento em geral. Num comércio sem regras, vale a lei do mais forte, vale a lei da selva”, afirma Ferraz.

“É importante resguardar algum tipo de regramento internacional e fazer recurso a uma instância de governança que seja legitimamente reconhecida pelas partes, mesmo que ela possa ser mais elástica e um pouco mais difusa”, comenta Cagnin.