Prédio ligado ao arquiteto Rino Levi é demolido em Pinheiros e gera revolta de moradores: ‘cidade não pode perder sua memória em nome do lucro’
Data: 20/04/2025 13:35:36
Fonte: g1.globo.com
Antigo prédio da Cultura Inglesa na rua Deputado Lacerda Franco, em Pinheiros, Zona Oeste de SP, começou a ser demolido neste sábado (19). — Foto: Reprodução/Instagram
A demolição do antigo prédio da Cultura Inglesa em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, neste sábado (19), tem gerado críticas e revolta da vizinhança e de urbanistas sobre a preservação de edifícios históricos na gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) da capital paulista.
O prédio da rua Deputado Lacerda Franco foi construído em 1980 pelo escritório do arquiteto modernista Rino Levi. O projeto fazia parte do acervo de estudos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP).
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O edifício que abrigou não só o curso de inglês, mas também foi palco de espetáculos de teatro e dança, oficinas e atividades culturais que deixaram marcas na vida cultural da cidade, foi demolido pela construtora SRK, que pretende erguer no local uma condomínio residencial.
Rino Levi é um dos principais nomes da arquitetura paulista e projetou vários prédios históricos da cidade que atualmente são tombados pelo patrimônio público.
Entre eles estão o Edifício Prudência, na Avenida Higienópolis, o Teatro Cultura Artística, no Centro, e o edifício sede do FIESP na Avenida Paulista.
Após a morte dele, em 1965, o escritório onde trabalhava e era sócio continuou tocando seus projetos em andamento.
O Movimento Pró-Pinheiros, formado por moradores do bairro, disse nas redes sociais que mesmo com mobilizações públicas, apelos da comunidade e pedidos de diálogo, a demolição do prédio na Lacerda Franco aconteceu de forma apressada e silenciosa.
Eles afirmam que é um gesto que revela “a falta de escuta, de sensibilidade e de ética urbana” da construtora SRK e da gestão Nunes com a preservação da memória da cidade.
O edifício da Fiesp e o Teatro Cultura Artística projetados pelo arquiteto modernista Rino Levi em São Paulo,. — Foto: Reprodução/TV Globo
Ela contou ao g1 que o grupo tentou contato com a construtora e a Prefeitura de SP – através de uma conselheira da SubPrefeitura de Pinheiros – antes da demolição, para entender o motivo da obra no prédio, mas foram surpreendidos com o início da derrubada do edifício.
Mensagem enviada pela Pró-Pinheiros para a subprefeitura antes da demolição do prédio da rua Deputado Lacerda Franco neste sábado (19). — Foto: Reprodução
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O vereador e urbanista Nabil Bonduki (PT), professor da FAU-USP, também criticou a gestão Nunes pela demolição do edifício de Pinheiros e disse que Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) está “aparelhado” por indicados da prefeitura que não têm compromisso com a memória da cidade.
Bonduki aponta que há pelos menos três pessoas na composição atual do Conpresp que não deveriam estar no colegiado.
Um deles é o vereador Rodrigo Goulart (PSD), que se licenciou da Câmara Municipal para ser secretário de Trabalho da gestão Ricardo Nunes (MDB), mas continua no cargo dentro do Conpresp como representante da Câmara, mesmo licenciado.
Quando era vereador, Goulart foi relator na legislatura passado da revisão polêmica do plano diretor estratégico (PDE) da cidade e da lei de zoneamento.
O vereador Nabil Bonduki (PT), o presidente da Câmara Ricardo Teixeira (União) e o atual secretário Rodrigo Goulart (PSD). — Foto: Montagem/g1/Rede Câmara
Além dele, o presidente atul do Conpresp – o advogado Ricardo Ferrari Nogueira — e o suplente dele, Renan Marino Vieira, tinham sido indicados em 2023 para o cargo pelo prefeito nas vagas destinadas à Secretaria de Cultura dentro do colegiado, mas os dois não trabalham na pasta.
Ricardo Ferrari está lotado na Câmara Municipal de SP como procurador, enquanto Renan Marino é presidente da ADE Sampa, a Agência SP de Desenvolvimento Econômico.
“A presença do Ricardo e do Renan no Conpresp é claramente um enorme equívoco, mas a lei infelizmente não diz expressamente onde eles devem trabalhar, mas sim que devem ser indicados da Secretaria de Cultura. No caso do Goulart, é um escândalo. Ele é um secretário do prefeito que está no lugar de um representante da Câmara, única vaga de representação popular no conselho. Isso é um absurdo”, disse o parlamentar.
“O vereador dentro do Conpresp é o único que pode receber a população no seu gabinete, pode dialogar com a sociedade civil. Mas isso não está acontecendo. Atualmente, o prefeito tem cinco dos 9 votos do Conpresp e qualquer iniciativa popular de preservação da cidade tem dificuldade de passar no conselho. Sem contar o grande número de faltas que o Goulart tem nas reuniões, que nós estamos apurando”, disse o vereador.
O g1 procurou a gestão Nunes e o secretário Rodrigo Goulart para falar do assunto, mas não recebemos retorno até a última atualização dessa reportagem. A equipe também tenta contato com a Construtora SRK.
Sandra Tadeu (PL), Rubinho Nunes (União), Nabil Bonduki (PT), Paulo Frange (MDB) e Gabriel Abreu (Podemos): disputa pela vaga da Câmara Municipal no Conpresp. — Foto: Montagem/g1/Reprodução/Rede Câmara
Nabil Bonduki é um dos cinco vereadores da atual legislatura que querem ocupar a vaga da Câmara no colegiado de preservação histórica. Ele foi indicado por uma série de movimentos populares, ex-secretários de Cultura e entidades de arquitetura, em um abaixo-assinado com mais de 2 mil assinaturas, inclusive de membros do Movimento Pró-Pinheiros.
Porém, outros quatro nomes da base de apoio do prefeito – como Sandra Tadeu (PL), Paulo Frange (MDB), Gabriel Abreu (Podemos) e Rubinho Nunes (União Brasil) – também tem interesse em ocupar o posto.
Um parecer elaborado pela Procuradoria da Câmara Municipal (órgão onde o presidente atual do Conpresp trabalha) – a pedido do presidente do Legislativo Ricardo Teixeira (União Brasil) – diz que a manutenção de Rodrigo Goulart no colegiado não fere a lei.
“O fato de estar licenciado automaticamente do exercício da vereança, por estar Secretário no Poder Executivo não lhe retira a qualidade de vereador. (…) E a qualidade de vereador, diga-se de passagem, é a única exigência para que seja indicado a compor o CONPRESP, que, aliás, é eleito para o exercício de um mandato – de 03 anos”, afirmou o parecer.
O g1 apurou com vários desses vereadores-candidatos que a manutenção de Goulart no conselho foi a saída encontrada pelo presidente da Câmara para evitar brigas na base na disputa pelo cargo.
Publicação do coletivo Pró-Pinheiros sobre a demolição do prédio da Cultura Inglesa, em SP. — Foto: Reprodução/Instagram
Entidades da sociedade civil dizem, entretanto, que vão à Justiça para garantir a representação legal e fidedigna de todos os ocupantes do Conselho de Preservação da cidade.
A representante do Pró-Pinheiros, Rosanne Brancatelli, afirma que a cidade de São Paulo está “abandonada” do ponto de vista da memória e do direito à preservação histórica.
“A atual composição do Conpresp é de membros indicados pela prefeitura que não entendem nada de preservação e patrimônio. Eles ignoraram um trabalho de três anos do Departamento de Patrimônio Histórico, o DPH, que analisou várias áreas de Pinheiros que precisavam ser preservadas. A cidade não pode continuar refém das construtoras e do lucro”, disse.
“A demolição do prédio da Cultura Inglesa em Pinheiros é mais um caso que reflete a falta de preocupação da atual gestão com proteção do que é importante para a cidade. A ocupação e adensamento deve acontecer, pra modernizar a cidade e gerar empregos. Mas em áreas ociosos ou que não tenham valor simbólico e arquitetônico para a cidade”, afirmou o vereador Nabil Bonduki.
Composição atual do Conpresp e seus representantes em São Paulo. — Foto: Reprodução
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