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Gonzaga De Luca elege alguns dos mais belos cinemas brasileiros do passado e do presente

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Data: 21/04/2025 11:15:28

Fonte: revistadecinema.com.br


Por Maria do Rosário Caetano

Luiz Gonzaga Assis De Luca, o “intelectual do cinema”, com mestrado e doutorado em audiovisual pela USP (Universidade de São Paulo), ex-integrante dos quadros da Embrafilme, Kinoplex-Severiano Ribeiro e Cinépolis mexicana, enviou à Revista de CINEMA o texto abaixo. O fez depois de ler a reportagem “Salas de cinema conquistam estima do público pela beleza, entorno e qualidade técnica”, publicada em nossa edição de 17 de abril de 2025.

Nesse texto, Gonzaga De Luca evoca sua longa trajetória como quadro dos mais qualificados da exibição brasileira, para indicar as salas mais bonitas do Brasil de outrora e de hoje. E também as que mais belas paisagens externas descortinam para seus frequentadores. E, claro, ele que escreveu livros sobre as grandes transformações vividas pelos circuitos de exibição cinematográfica (caso de “A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual”) dá destaque, também, aos complexos dotados de ótima qualificação técnica.

Vale lembrar que, atualmente, Gonzaga tem se dedicado à pesquisa cinematográfica e ao magistério. Ele vem aprofundando sua vocação de pesquisador, escorado em suas de vivências profissionais e memória privilegiada (novos livros estão em processo de escrita). E tornou-se professor-colaborador da FGV, a Fundação Getúlio Vargas, instituição que o graduou em Administração.

Eis seu testemunho:

“Senti vontade de entrar nesta eleição dos cinemas mais bonitos do Brasil. Conheci muitos de norte a sul do país. Talvez, mais de um milhar nas mais diversas cidades.

Peguei os ‘palácios de cinema’ em decadência. Monumentos como o Cine América (Rio de Janeiro), o Art-Palácio (ex-Art-UFA, São Paulo) ou o Universo (Brás, São Paulo) já estavam totalmente desfigurados. O Metro-Boa Vista e o Metro-Tijuca já não existiam, assim como o São Luiz do Rio de Janeiro.

Concordo com quem toma o Cine São Luiz de Fortaleza como o mais bonito do país. O Kiko Severiano Ribeiro, neto mais velho de Luiz Severiano Ribeiro (1886-1974), dizia que o avô não terminava a construção do prédio acima do cinema da Praça do Ferreira, porque acreditava que, ao concluir o edifício, na cidade em que começara na atividade cinematográfica, morreria. Ia adiando cada etapa do prédio de forma voluntária. No fim ficaram apenas as portas para serem instaladas. Demoraram anos para a colocação.

O Kiko explicava que a entrada, a fachada e o corredor simplório do Cine São Luiz do Rio de Janeiro que se chocavam com o foyer e o interior luxuosos do auditório, foram construídos assim porque Luiz Severiano Ribeiro acreditava que um dia a Rua do Catete seria alargada, levando os primeiros dez metros do acesso ao cinema. Na demolição para o alargamento da via, o foyer fantástico seria o acesso frontal ao cinema. O racionalismo do fundador do Grupo Severiano Ribeiro foi derrotado pela total demolição do cinema para ser o canteiro de obras da estação Largo do Machado do Metrô do Rio.

Em São Paulo, o mais belo era o Marrocos, fundado em 1951, com sua luxuosa decoração de 1001 noites, ar condicionado e uma área Pullman. Já nas galerias comerciais da Av. Paulista, o Astor, com sua sinuosa rampa de acesso, uma plateia com perfeito piso em parábola e poltronas de couro verde, era o mais bonito (deu espaço para a mais bela livraria que já tivemos, a Livraria Cultura do Conjunto Nacional).

No começo da década de 1970, veio o Cine Liberty, construído por Paulo Sá Pinto e Chiquinho Lucas (os mesmos proprietários do Bristol, do Marabá, do Olido, do Ritz, do Iguatemi etc.) que tinha um imenso e impressionante vitral art nouveau, elaborado pela Casa Conrado, que executou, também, os vitrais do Mercado e do Teatro Municipal de São Paulo.

O interior do Cine São Luiz de Recife não supera o de Fortaleza em beleza, porém, tem uma vista externa imbatível. Sua visão frontal junto ao Rio Capibaribe elege-o como fachada para uma das vistas mais bonitas do país. Outro que teve uma fachada frontal invejável foi o Cine Imperial de Porto Alegre, na Rua da Praia. Como visão externa, temos o Cine-Teatro Pedro II (que, agora é apenas Theatro), na Praça XV de Novembro, em Ribeirão Preto (SP).

No sentido inverso, a vista que o cinema tem do exterior, o ex-Cine Icaraí (na praia de igual nome) é campeão. Abre para a Baía da Guanabara, descortinando o contorno do Rio de Janeiro, do Cais Mauá ao Pão de Açúcar. Não são necessários grandes comentários. Vista tão boa se tem igualmente dos cinemas do Reserva Cultural de Niterói.

O interior do Cine Palácio, no Passeio Público do Rio, herdado de um antigo Teatro, é impressionante. Ainda bem que o prédio foi salvo após a venda pelos proprietários (Grupo Severiano Ribeiro e Fox Films) para virar o Teatro Riachuelo. O Icaraí não teve igual sorte, abandonado, porém tombado e finalmente, em propriedade da UFF (Universidade Federal Fluminense). Pior sorte teve o Cine Rian, que estava com a frente para a Praia de Copacabana. Rian é um acrônimo de Nair. A proprietária original era Nair de Teffé, a ex-primeira dama do país, caricaturista de mão-cheia, que, segundo o Kiko Severiano Ribeiro (mais uma vez), acabou vendendo o cinema para Luiz Severiano Ribeiro devido às suas dívidas com jogos de azar. Este foi demolido em regime de urgência poucas horas antes de Darcy Ribeiro tombar o prédio.

Não posso deixar de citar os cinemas mais bem equipados que conheci em termos técnicos. O Cine Ribalta, de Curitiba, tinha uma cabine com os campeoníssimos projetores Cinemeccanica Victoria 10, 35/70 mm, já todo transistorizado. O Majestic e o Windsor, ambos em São Paulo, tinham fantásticas cabines com os projetores Philips EL 2000, 35/70 mm, ainda valvulados.

Deixar de citar os multiplexes de ruas é uma injustiça. Dois são fantásticos: o Belas Artes (foto, São Paulo), que antes de ser multiplex, teve décadas sob a batuta de Dante Ancona Lopez, hospedando a salinha da SAC (Sociedade Amigos da Cinemateca) no subsolo. Este cinema foi reformado e transformado no primeiro multiplex do país (1980) por Jean Gabriel Albicoco (Gabi) que comandava a Gamount no Brasil. Gabi não economizou no equipamento instalado – projetores Cinemeccanica com pratos totalmente automatizados (endless) que dispensavam operadores. Havia uma cabine central no térreo, envidraçada para o público ver seu interior, que comandava todas as 6 salas em 3 pisos diferentes, podendo aumentar e diminuir o som, trocar as lentes e sistemas de som, fazer foco etc. Era possível exibir uma mesma cópia de um filme simultaneamente em todas as salas através do processo “interlock”. É uma injustiça citar que outros cinemas tenham sido o primeiro multiplex do país. Este é verdadeiramente o multiplex pioneiro no país. Dezesseis anos antes da abertura de um multiplex da Cinemark ou da UCI.

Citarei, também, com destaque, o Kinoplex Itaim, com seis salas num agradável conjunto de lojas de alimentação e com jardins em pleno Itaim, em São Paulo. Foi a primeira sala com certificação THX na cidade de São Paulo (o Kinoplex D.Pedro, em Campinas).

Por último, merecem ser citados multiplexes que saem da mesmice copiada dos equivalentes norte-americanos. O antigo Espaço Itaú Frei Caneca desenhado pela Metro Arquitetos é diferenciado e belíssimo. Outro que se diferencia é o Cinépolis Pátio Batel, concebido pela Brasil Arquitetos e com mobiliário desenhado por Lina Bardi, Marcelo Ferraz, Marcelo Suzuki e Chico Fanucci”.