Entrevista: ‘Eu sabia o que estava acontecendo’, diz Carlos Lupi sobre fraude no INSS investigada pela Polícia Fede
Data: 28/04/2025 12:12:00
Fonte: oglobo.globo.com
Com a gestão questionada após a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) descobrirem um esquema bilionário de desvios em aposentadorias e pensões, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, admite que houve demora em tomar medidas para conter as fraudes. Ele nega, porém, que tenha havido omissão de sua parte e diz não se sentir desconfortável em permanecer no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
— No governo, tudo é demorado. Eu sabia o que estava acontecendo, das denúncias. Eu sabia que estava havendo um aumento muito grande (dos descontos nas mensalidades), que precisava fazer uma instrução normativa para acabar com isso e comecei a me irritar pela demora. Só que o tempo no governo não é o tempo de uma empresa privada — afirmou ao GLOBO.
A operação “Sem Desconto”, deflagrada na quarta-feira passada, apura descontos irregulares feitos por associações que possuem convênios com o INSS. Segundo as investigações, esses grupos podem ter desviado mais de R$ 6 bilhões nos últimos anos.
Com a revelação do esquema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou demitir o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, nomeado por Lupi e que vinha sendo defendido por ele.
Houve tentativa de discutir o problema nos descontos das aposentadorias no Conselho Nacional de Previdência Social em junho de 2023, quando a conselheira Tonia Galleti pediu para debater o tema. Mas o assunto foi barrado e só entrou na pauta em abril de 2024. Por quê?
Esse assunto não entrou na pauta do Conselho de novo porque ela (a conselheira Tonia Galleti) não voltou a falar sobre o assunto. A partir da fala dela, pedi ao presidente do INSS (Alessandro Stefanutto) e ao diretor de Benefícios (André Fidelis), que também faziam parte do Conselho Nacional de Previdência Social, que começassem a examinar isso. Era apenas uma fala, uma argumentação, não tinha documentos. Aí foi passando o tempo e o diretor de Benefícios não apresentava nada. Eu o demiti e nomeei o Vanderelei Barbosa para o lugar dele. Três meses depois, Vanderlei me apresentou o relatório.
Mas a conselheira Tonia Galleti disse que levou o problema para o senhor antes mesmo dessa reunião do Conselho.
Não foi só a Tonia que me falou sobre o assunto. Várias pessoas falaram. A nossa Ouvidoria recebeu várias denúncias. Uma coisa é falar, outra coisa é ter fatos concretos para serem investigados.
O fato é que o senhor ficou sabendo das denúncias no início de 2023 e a primeira medida só veio um ano depois, em março de 2024. Não houve omissão?
Se sou omisso, por que pedi o relatório e demiti o diretor? Quem é omisso não demite ninguém. Esse desconto associativo existe há muitos anos e sempre teve muita denúncia na Ouvidoria. Pela primeira vez o nosso governo, a CGU, a PF, o Ministério da Justiça e a área de inteligência da Previdência, que recebe as denúncias, começaram a apurar.
Fizemos uma Instrução Normativa (IN) e tentamos coibir isso. Mais de 2,4 milhões autorizações foram canceladas por estarem em desacordo com a IN. No governo, tudo é demorado. Eu sabia o que estava acontecendo, das denúncias. Eu sabia que estava havendo um aumento muito grande, que precisava fazer uma IN para acabar com isso e comecei a me irritar pela demora. Só que o tempo no governo não é o tempo de uma empresa privada.
Mas mesmo com a Instrução Normativa, os descontos continuaram crescendo. Por quê?
As dez associações que concentram 65% dos descontos fizeram grande investimento para atrair mais filiados. Todo mês, entra um milhão de pessoas pedindo aposentadoria, pensão, beneficio por incapacidade e cerca de 30% ou 40% desses procedimentos são aceitos. Logo, esse público vai sendo assediado por essas associações, por ofertas de consignado.
Como eu vou controlar isso? Antes de receber aposentadoria, você já recebe telefonema de oferta de empréstimo. É uma coisa muito difícil de controlar, é muita gente. Tudo na Previdência é gigantesco. Agora, estamos passando de 40 milhões de beneficiários.
Então a Instrução Normativa não é eficaz?
Não conseguimos fazer a massificação da biometria. Temos muita dependência da Dataprev, que faz todo nosso sistema. E a Dataprev está sobrecarregada de serviço. Não conseguimos fazer a biometria como deveríamos ter feito. Foi uma biometria frágil, baseada nos dados do TSE. A gente queria ter feito a nossa, fotografar, botar a cara para identificar. Por isso, tem muita burla.
Além disso, é preciso entender que isso (a autorização para o desconto) é um acordo entre particulares. Se você é aposentado e quer fazer uma filiação a alguma associação, é uma coisa de particulares. O crime é falsificarem a autorização. Isso é criminoso e isso é o que está sendo apurado.
O esquema, segundo a PF, envolve também funcionários da Previdência, não só associações.
Dos nomes que tive conhecimento da investigação da Polícia Federal, deve ter uns 190 das associações e uns 10 ou 15 do INSS. Essa é a proporção. Vai ter gente safada dentro das instituições, claro. Mas a gente não pode misturar.Também tem gente séria, que quer servir, que está sendo injustiçada. Tem que ter bom senso.
Qual é a causa do afastamento e da exoneração do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto?
Eu não sei. Não tive acesso ao processo. Soube apenas que ele seria ouvido e que haveria busca e apreensão. Informalmente, dizem que ele poderia atrapalhar as investigações e que houve omissão, não foi ágil no processo de resposta. Em todas as respostas, ele e os diretores falavam que era muita gente, que era muito complexo.
Por que o senhor demitiu o diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis? Havia suspeita de irregularidades?
A base da minha suspeita era incompetência. Eu cobrava essa agilidade na Instrução Normativa e ele não concluiu nem o relatório.
Por que o governo não muda a lei e acaba com as autorizações para os descontos nas mensalidades?Não acho essa ideia má e quero levá-la ao presidente Lula. Isso é mais um trabalho do INSS, traz dor de cabeça. A Previdência já tem tarefa demais. Por que ela tem que legitimar isso? Ela legitima as partes e faz o desconto em folha, isso é cômodo.
Em 2011, o senhor enfrentou acusações de desvio de dinheiro quando foi ministro do Trabalho. Pode se ver diante da mesma situação?
Tenho 40 anos de vida pública. Nunca tive um processo na minha vida. O meu papel é ajudar a apurar os erros e defender os aposentados.
O senhor não se sente em situação desconfortável dentro do governo?
Não. Não me sinto em situação fragilizada nenhuma.
O senhor já falou com o presidente Lula sobre o assunto?
Ele me ligou na quarta de manhã cedinho para tratar da Operação (Sem Desconto) e ligou de novo à tarde sobre a exoneração do Stefanutto para preservar a instituição. Ele era o presidente do INSS. Eu encaminhei os atos de todos os envolvidos da diretoria.
O senhor estará com Lula em 2026?
Ele é meu candidato, independentemente de eu estar como ministro ou não.