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Tarifaço impulsiona investimentos de R$ 68 bilhões em mineração até 2029

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Data: 29/04/2025 04:32:55

Fonte: oglobo.globo.com

A guerra tarifária iniciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode funcionar como um catalisador para as mineradoras no Brasil aumentarem seus investimentos em eficiência operacional, redução de custos e ampliação de programas ambientais, tornando seus minérios mais verdes.

Para especialistas e empresas do setor, a crescente incerteza geopolítica global acende um alerta para que o Brasil aumente os investimentos no processamento de minerais, com foco na exportação de produtos de maior valor agregado, e avance no mapeamento do solo nacional em busca de novas reservas de matérias-primas estratégicas.

Esses minerais estão no centro das retaliações da China aos Estados Unidos, depois do tarifaço imposto aos produtos chineses. A China restringiu as exportações desses minérios essenciais para baterias elétricas, por exemplo, para os EUA.

É nesse novo cenário global que o setor pretende investir US$ 68,4 bilhões entre 2025 e 2029, um aumento de 6,6% em comparação às estimativas realizadas para o período anterior, entre 2024 e 2028. Desse total, o minério de ferro segue como líder dos aportes, com quase 30% do total previsto para os próximos anos.

Volume de recursos previstos para o setor — Foto: Editoria de Arte/O Globo
Volume de recursos previstos para o setor — Foto: Editoria de Arte/O Globo

Rafael Marchi, sócio-diretor da A&M Infra, lembra que a imposição das tarifas de importação pelos Estados Unidos sobre o aço e o alumínio atingem o setor mineral e siderúrgico:

— Para este ano, há uma perspectiva de queda de 10% nos preços do minério de ferro com o enfraquecimento da China e as incertezas geopolíticas. Tensões comerciais prolongadas podem deprimir ainda mais os preços das commodities, exigindo eficiência das mineradoras para operar com margens menores.

Para ele, os exportadores brasileiros podem enfrentar perda de participação no mercado americano, por isso, diz, é necessário buscar acordos e parcerias com outros países:

— A mineração brasileira terá de navegar em um mundo comercial mais complexo, mas tem ativos importantes a seu favor, como riqueza geológica diversificada, qualidade de produto (como o minério de ferro de alto teor) e um compromisso crescente com a sustentabilidade, que pode virar vantagem competitiva.

Segundo Marchi, o setor mineral responde por 4% do PIB e por 25% das exportações.

Para Raul Jungmann, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o interesse pelo Brasil vem crescendo:

— A guerra tarifária está mais centrada em bens industrializados, como aço e alumínio. Se tem algum impacto no setor mineral, ainda não foi sentido. De qualquer forma, o Brasil precisa se afastar da condição de apenas exportador de commodities.

A Alcoa, que tem um plano de investimento superior a US$ 1 bilhão para os próximos dez anos, visando aumentar a produção de alumínio e iniciar a operação de navios para o transporte de bauxita (matéria-prima para produção de alumínio), mira tanto o mercado local quanto o internacional.

Gisele Salvador, diretora financeira da empresa, lembra que é cedo para medir os efeitos diretos da taxação de 25% às exportações brasileiras de alumínio:

— A indústria brasileira vem investindo em ativos estratégicos, o que abre oportunidades para seu reposicionamento na cadeia global. As tarifas são ruins para o mercado em geral, mas os investimentos são de longo prazo, não são feitos com base em tarifas.

Janaina Donas, presidente-executiva da Associação Brasileira de Alumínio (Abal), vê a guerra tarifária com preocupação, já que o mercado americano é um destino estratégico para o setor. Segundo ela, a parcela dos EUA no valor total das exportações brasileiras de alumínio subiu de 17,6% para 19,1% entre o primeiro trimestre de 2024 e o deste ano.

— A aplicação da tarifa compromete a competitividade do alumínio brasileiro frente a outros fornecedores internacionais e traz impactos significativos para a dinâmica de comércio. Haverá um comprometimento da cadeia nacional de reciclagem, uma das maiores vantagens competitivas do Brasil no setor.

Janaina lembra que a aplicação de tarifas pode pressionar o Brasil a atuar apenas como fornecedor de matéria-prima. O país detém a quarta maior reserva de bauxita do mundo e está entre os três maiores produtores globais de alumina.

— Isso pode enfraquecer os esforços da indústria nacional para agregar valor, desenvolver tecnologias limpas e avançar em autossuficiência.

Com o cenário externo mais turbulento, as empresas priorizam investimentos na redução de custos e aumento da eficiência. Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, que pretende investir US$ 5,9 bilhões este ano, criou os chamados “mega hubs”, complexos industriais voltados à produção de aço de baixo carbono.

A empresa também aposta no reaproveitamento. A meta, até 2030, é que 10% da produção de minério de ferro no Brasil sejam de fontes circulares.

— Desenvolvemos o briquete de minério de ferro, um produto que reduz as emissões de carbono no alto-forno das siderúrgicas em 10%. A siderurgia, sozinha, responde por cerca de 8% das emissões globais — explica Gustavo Pimenta, CEO da Vale.

Emir Calluf, presidente da BHP Brasil, também mantém o olhar voltado para a eficiência. Ele cita o uso de tecnologias, como a dos gêmeos digitais, que consistem em uma réplica virtual das operações da mina ao porto, e aplicações de inteligência artificial para auxiliar na otimização do consumo de energia e água como formas de reduzir custos.

Para ele, apesar de a companhia ter um impacto direto limitado com as tarifas impostas por Trump, o crescimento econômico será menor num ambiente comercial fragmentado:

— Estamos preparados para lidar com qualquer cenário que seja desenhado. Temos commodities com demanda resiliente e estamos no extremo inferior das curvas de custos. Isso significa que, mesmo com uma possível volatilidade de preços ou desaceleração da demanda, estamos em uma boa posição, com margens fortes e bom balanço.

Cristiano Parreiras, diretor de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade da Mineração Morro do Ipê, diz que o foco é exportar para China e Europa. A mineradora investiu R$ 1,3 bilhão no Projeto Tico-Tico para produzir 6 milhões de toneladas por ano de minério de ferro com menores índices de contaminantes e maior teor de ferro.

Mas Parreiras diz que a guerra tarifária pode afetar a produção de bens de consumo na China, fazendo o país asiático reduzir as importações de produtos brasileiros.

A Cedro pretende investir mais R$ 7 bilhões nos próximos cinco anos, para alcançar uma produção entre 2026 e 2027 de 20 milhões de toneladas de minério de ferro de alta qualidade por ano, que emite 50% menos carbono na siderurgia.

Segundo Lucas Kallas, presidente do Conselho da Cedro Participações, as mineradoras terão que se adaptar à nova realidade, o que inclui a descarbonização com as metas ambientais assumidas internacionalmente.

— Acompanhamos com atenção o que está sendo discutido pelo governo americano, mas acredito que, apesar de desafiadora, a nova tarifa imposta ao Brasil pode abrir espaço para que haja um crescimento das exportações brasileiras para outros países.